|O lObO mAu|
|O lObO mAu| é um conto de encantos e desencantos sobre a humanidade e o seu percurso, enquanto espécie e sociedade, no planeta Terra e Água, Ar e Fogo. Entre ficção e realidade, entre a Gardunha e a Estrela,traz as visões e reflexões sobre a vida e a morte, sobre as certezas do presente e as incertezas do futuro, da Alcina, da Ana e da Maria da Conceição, mulheres e pastoras das nossas serras.
|prEfÁciO|
§ está na hora
#1
Está na hora de ouvistarmos uma história.
Todos temos lugar à mesa, ou não fosse esta o chão da terra-mãe, alma-mater, pois então! Alargamos como encolhemos o círculo para acolher e para despedir tanto o importante como o ridículo.
A sopa está servida.
#2
O caldo da vida: apreciemos as suas cores, os seus odores, os seus sabores. Inspiremos com leviandade primeiro; depois aspiremos a uma maior profundidade. Com a boca que sopra de língua vibrante abramos
também as orelhas estonteantes: o conto do lobo vai-nos uivar.
#3
Era uma vez, duas e três - dez mil talvez.
Às cinco da manhã começava o afã da pastorícia, a par da agricultura: a delícia da cultura dos primórdios da humanidade, desgastando a mocidade tão precocemente que nasce já velha tal gente do campo, mas com um vigor capaz de manter o rigor que exige o paraíso a tempo inteiro, alternando entre o frio e o calor de modo grosseiro.
#4
Pascem os gados como os desenfados humanos, ambas as partes sob agasalhos. Mas a lei do chifre impera de chofre: quando o carneiro berra toma cuidado - não vá marrar no costado ou no cofre!
Afugenta-o com o tição, enquanto a gordura se eleva do torrão sob a forma de lambra espiritual que se lambuza com o carnal.
#5
Gorgolejam também os mananciais, arroios e ribeirinhas, fontes diamantinas de água de cristais. Escorrem para longe da aldeia, fugindo para o litoral, para se prostituírem na grande marginal.
Pode ser que um dia as ovelhas a flutuar transumem para o mar, fertilizando o trajecto com a fé do dejecto, como que para indicar o caminho de regresso sob a via láctea sem vergonha profiláctica - a noite na montanha aquece-se com outro tipo de lenha.
#6
Ali na encosta a lei é a do isolamento do momento a roçar na escravidão bem-disposta.
Talvez também resistam de fantasia criaturas insulares envolvidas pela alta poluição dos altos mares.
Mas da Gardunha à Estrela o oceano é de ar puro, que serve de muro à maresia onde bóia como escória toda a porcaria. Na Cova da Beira o ser se enraíza, partilhando com os fungos a força vital estendida na horizontal enquanto aspira à espiral, sem deixar de imaginar as vozes que o silêncio é capaz de enlaçar com pontos e cruzes.
#7
Daí as longas conversas entre bichos e barrocos, entre os ocos e os maciços, entre os desgastes e os viços, flutuando numa espécie de sonho eterno, que roça no céu e no inferno, entre o fogo interior e o exterior, entre o gelo e o degelo, entre a floração e o empedernimento do coração.
#8
Como exprimir tudo isto, como expressá-lo sem espremê-lo num estertor de galo? Mesmo com setenta línguas de setenta bestas: faltariam palavras destras, e as frases seriam de um modulado tão pobre quanto podre.
Mas a contrabalançar a indiferença das consoantes está a fecundidade vogal, que sob a orquestração visual de Pushkhy puxa para a dança, sem sabermos bem como a compreensão avança - apenas nos podemos deixar levar pela magia da poesia com elasticidade e mestria, com sensibilidade e uma inquieta serenidade.
Aonde é que íamos? Ah, perdemo-nos...
#9
Não faz mal. Recomecemos, parindo novas criaturas, que se aprestam às agruras de sempre, ou por elas não se tivessem moldado quantos as precederam. Sobreviveram os que nada tomaram por garantido, para lutarem pelo seu instintivamente ao léu, sem ocultações mais que as das preocupações - porque humanos e animais têm sensibilidades para lá das gastrogenitais.
#10
Pressentimentos de granito, decompondo-se num rito de líquenes e musgos, arredondam aos poucos os contos que vão revelando quando nos aprestamos a auscultar como surdos que se fizessem surdos à própria surdez para ousarem cindir o átomo-talvez, libertando por sua vez uma tremenda energia, com a força estética de mil tosquias genéticas.
#11
E que pararia o processo uma vez desencadeado?
O que nos deixa possessos não é tanto o fim, mas ficarmos pelo meio, sem podermos ver o espectáculo em cheio - apanhamos apenas uma parte, de que nem fazemos parte. Ou assim cremos. Não passarmos de mais um ponto numas longas reticências, que se suspendem indeterminadamente…
Mas a dado momento o parágrafo cede, para o seguinte sobrevir, ou com maior requinte simplesmente dar por concluída a interpretação da existência pela nossa imaginação, concedendo-a aos que ficam à volta do rescaldo, enquanto a história do lobo mau se entenebrece sem saldo.
#12
Cada qual continuará, ou recomeçará: baste que ajunte gravetos que reavivem uma chama: eis que logo emana um chamamento que se estende pelo firmamento.
Outros aproximam-se, cada qual aportando o seu molho de lenha que apanha durante a viagem.
Conglomeram-se, sem grandes associações ou cooperativismo - vieram todos ao mesmo: escutar o uivo, para depois ulularem, sonhando incarnar pelo menos a pele, nem tanto a carne, desse animal dentro do qual arde uma centelha inextinguível.
#13
Pois não resultaria incrível ser o conto uma invenção do vilão, que fingiu um tal final só para se ocultar de modo a continuar a digressão pela eternidade fora, de aurora em aurora, sem reclamar a autoria dos acontecimentos, mas encobrindo-os sob a forma de entretenimento?
Ao azar da sorte: nada que o tudo não suporte, desde que o que importe seja manter o feijão das tradições dentro do ventre vítreo das aculturações, germinando pontualmente quando se trata de mostrá-lo a quem não resultar indiferente tal talo.
Rodrigo Santos
|AzUL & vErmElhO|
Azul é frio. Vermelho é quente. O céu é azul. O sangue é vermelho.
O céu é azul mas nem sempre é frio. Muitas vezes é quente. Quando está quente está calor.
O sangue é vermelho mas nem sempre é quente. Muitas vezes é frio. Quando está frio está morto.
Tem estado cada vez mais quente. Cada vez mais vermelho. Cada vez mais morto.
Extinguem-se os seres de sangue quente, inexorável e irremediavelmente.
E extinguem-se os seres de sangue frio, numa derradeira convulsão febril, na indulgência do último
arrepio.
No final, tudo se resume ao frio.
Quando todo o gelo derreter, deixando as calotas em pelota, será apenas mais um passo a caminho do frio universal.
Até lá, tudo se afogará num caldo bem mais quente do que a sopa primordial, há quatro éons atrás.
Após o entretenimento vem o desaparecimento.
À diversão segue-se a extinção.
E à sapiência, ou à falta dela, a inexistência.
Até lá, aproveitemos o fôlego que nos resta em escavações arqueológicas,
Encontrando ossadas às golfadas!
Suspiremos carbono 14 pelo tempo que passou,
Inspirando ofegantes, os monóxidos e os dióxidos, durante o tempo que ainda falta.
\Maria da Conceição/
Às 5h, fazemos as actividades, damos de comer aos animais. Eles depois têm o seu sítio certo para estarem à sombra. E depois temos também que cultivar as batatas, cultivar o feijão para se comer.
Como aqui estamos numa zona muito seca, temos que semear canas para ceifar e levá-las, e semeamos também o sorgo, a quem temos que regar todos os dias mas aproveitamos a parte da manhã e a parte da tarde para a gente não andar ao calor.
Muito muito muito mal, a gente já não aguenta, pronto já não aguentamos o calor porque, ou da nossa idade, que a gente já não é nova, mas o calor é insuportável, é insuportável, principalmente nesta zona, é muito insuportável, desde as 10h30 até às 5 da tarde.
Com o frio, agora já nem há muito frio como era antigamente, já não há muito frio. Mas há tantos agasalhos e a gente também anda-se sempre a mover de um lado para o outro. A gente não pára desde que se alevanta até que se deita, não paramos.
As pessoas às vezes, tudo gosta de ir para as cidades, tudo gosta de estar nas cidades, tudo vai para as cidades mas é um engano. Eles estão tão enganados, que acho que não compensa. Porque nós aqui nas aldeias… As pessoas têm medo das aldeias, as aldeias é um paraíso. Não há fome, toda a gente tem, é o principal. Temos tudo, as aldeias já estão limpinhas, as aldeias têm todos os confortos e as casas das aldeias. Porque as pessoas que vão para a cidade têm medo da aldeia… Isto já não é como há 50 anos.
Toda a gente se queixa por fazer 8 horas. Então nós fazemos 16, eu já cheguei a fazer muitos anos 20 horas e ainda aqui estou, ainda não morri. Anda é tudo cansado por fazer as 2 ou 3 horas.
Está tudo cansado.
|Os ExtinctOs|
São uns mamíferos engraçados,
Esses, os extintos!
O mamute da beira baixa vivia aqui há umas eras atrás
Uns tempos depois da pulverização da Pangea, quando o manto ainda era geleia.
Era tosquiado na primeira lua cheia após o derreter da neve.
Aqui na Gardunha, com a sua lã, faziam-se os tapetes para a soleira da gruta.
Lá na Estrela, faziam tapetes de burel, para a soleira do bordel.
Sempre foram mais libertinos naquele lado da cova.
Do lado de cá também caçam e também colectam mas dizem que a profissão mais velha do mundo é a de pastor.
Os nossos antepassados, os que se abrigavam nas cavernas e dominaram o fogo talvez não imaginassem o que
a sua descoberta iria catalisar nos 300 mil anos seguintes.
A vida da nossa espécie mudaria radical, profunda e irreversivelmente. Era uma vez a pré-história.
Até ao advento da escrita e da história ainda muita ovelha tinha que parir, muito borrego tinha que ser parido, muito teto tinha que ser mamado e muito teto tinha que ser ordenhado.
Porque é disso que trata toda esta estória, de seres extintos e de seres a caminho da extinção,
Ascendentes e descendentes, todos fruto de misturas genéticas, algumas, indecentes.
A profissão de mercenário alfa é provavelmente a mais antiga das profissões.
A partilha da caça não era nem meiga nem altruísta, nem a mulher era emancipada, era espancada.
Mas isso era há milhares de anos atrás, dizem os costumes…
Voltemos à nossa estória.
Que terão dominado em primeiro, o fogo ou o gado? O fogo, claro!
Para poderem marcar o gado, assar o gado e socializar à volta do churrasco, do gado, que ainda viriam a dominar.
A cerveja seguiu-se naturalmente. E o comércio e a roda e a sedentarização.
A obesidade ainda iria demorar umas primaveras a despontar proeminentemente com a ajuda do queijo das nossas serras e das nossas pastoras, evidentemente, as profissionais mais antigas do mundo, igualmente em vias de extinção e ainda por sindicalizar.
Porque até as pioneiras da transumância são transeuntes do tempo diluído nas águas poluídas que deslizam languidamente pelas cotas de nível abaixo a caminho do mar.
\Alcina/
Temos, ainda temos muitos nascentes mas não é aquela zona, há zonas muito… Quem chega a Videmonte e diz assim “Videmonte é uma zona muito rica porque tem muita água, tem muitas fontes todo o ano a correr”. A aldeia por aqui abaixo tem, sei lá, uns 7 ou 8 chafarizes de água a correr todo o ano. Mas são nascentes que estão canalizados para ali, são bons nascentes.
No geral em si também temos escassez de água na rega. Por exemplo, uma vaga que nós chamamos aqui por aí acima até lá em cima à serra, de lameiros, como a água pertence à regadia, o que é que acontece, eu já estou sem água nos meus lameiros já quase há um mês. As pessoas querem regar, tocam-na para baixo para a povoação, vai para a barragem. A barragem agora ultimamente está cheia, quem está para baixo da barragem, que agora deita fora e enquanto deita fora, agora eu como estou para cima, fico sem água. Os nossos lameiros já estão sem água há quase um mês.
Às vezes dizemos que estamos numa zona com muita água mas são os chafarizes que temos na aldeia que enganam o dizer que temos uma aldeia com muita água, porque do resto temos escassez como os outros.
O mar? Conheço-o, vejo-o poucas vezes!
Gosto do mar. Não é uma coisa que… como há pessoas que se calhar passar 15 dias, como há pessoas que passam, e um mês de férias ou assim, se calhar não me dizia nada. Ou não me diz porque se calhar também não há vagar, não há possibilidades, não é?
Não há possibilidades nem de mar nem de outra coisa, não há possibilidade de férias. Não podemos simplesmente meter as ovelhas na loja e ficais aqui que nós vamos embora este fim de semana, isso não pode, não acontece. Nem sequer pode acontecer porque elas têm que sair todos os dias, têm que comer todos os dias.
Já tivemos tempos e alturas em que madrugávamos bastante mais. Agora já moramos aqui mas estivemos bastantes anos em que os animais estavam aqui e nós vivíamos dentro da povoação.
Era diferente, transportar o leite, uma coisa e outra, madrugávamos mais. Agora aqui mesmo de inverno já não há aquela preocupação de ter de me levantar às 6 da manhã.
Não, às vezes é como aquilo que eu digo, tanto me faz acabar os queijos às 10 como acabar às 10h30 e é mais meia horita que a gente está descansadinha. À noite também não somos, também quase antes dessas 11h30 meia noite nunca vamos para a cama. Agora por exemplo, ainda foi ontem a última vez, eram 11h30 da noite e nós estávamos a jantar. Não é?
De manhã se nos vamos levantar às seis, é muito cedo! Então já estamos mais um bocadinho de manhã, porque é aquilo que eu digo, tanto me faz acabar os queijos às dez como às dez e meia.
Acaba por ser a mesma coisa.
A gente sabe que tem esta vida para fazer, temos que a fazer, independentemente de…
|O micÉliO mÁgicO|
Em sentido contrário vêm as trutas, à procura das águas frias e límpidas onde nasceram, para desovar a geração seguinte.
Mas as águas, já nem são frias nem límpidas, porque já nem correm, escorrem, densas e verdes como a esperança.
Água das pedras fresca, só engarrafada em garrafa de plástico, aliás inventada pelos nossos amigos pastores neolíticos, a garrafa.
A plástica viria mais tarde: ainda teriam que ser abatidas muitas borregas e abatidos muitos borregos, e inventada a ordenha mecânica e o leite em pó, os matadouros e os talhantes e as rações canibais e os jardins zoológicos que de lógicos não têm nada.
Quem diria que a escatologia à beira rio nos conduziria tão longe?
Que de bucólica restaria apenas a cólica? Nem sempre mas por vezes também alcoólica, porque à cerveja seguiram-se os destilados.
Mas também os enlatados e os fumados, os perfumados e os processados, os empacotados e os desperdiçados, os liofilizados e os adulterados, os etiquetados e os discriminados, os criminalizados e os enjaulados, os encapuçados e os decapitados, os crucificados e os mumificados, os circuncidados e os esterilizados, os escravizados e os humilhados, os colonizados e os descolonizados, os entrincheirados e os institucionalizados, os roubados e os contrabandeados, os alfabetizados e os desempregados, os endinheirados e os gentrificados, os censurados e os aterrorizados - Os calados, os amuados, os enjoados, os amargurados e os anestesiados, enfim, talvez apenas cansados de tantos dados, abnegados, entregues à submissão.
Alguém poderia ter profetizado que os mares iriam escancarar-se para receber, sem qualquer tipo de pudor, o despejo da nossa criatividade.
Era o início da civilização, vislumbravam-se as futuras cidades cosmopolitas nas embrionárias megalópoles que ainda desconheciam as fraldas mas reconheciam, gratos, na generosidade dos rios, o fabuloso poder absorvente da latrina.
Era o presságio das grandes viagens que ainda viriam a acontecer quando transformassem árvores em remos, bosques em barcos e florestas em frotas, num ímpeto de coragem, bravura e ousadia, ao amarar rumo ao desconhecido.
E como se amarar não bastasse para tanto volume de criatividade, iniciaram o aterrar.
Longe da vista longe do coração, dizem um pouco por todo o lado.
E quem diria que um dia, depois de amarar e aterrar, iriam ainda alunar e amartar.
A criatividade não tem fim. Tal como o universo.
Há quem diga que um dia a curiosidade embriagou a criatividade e uns cogumelos colhidos em estrume fresco de mamute trouxeram, além da arte abstracta para o seio desta sociedade, a percepção da tridimensionalidade do céu e a incomensurável vontade de o explorar.
A mega fauna teria então originado, além de uma mega moca, a consciência da própria consciência, o que não se devia à flatulência do acaso.
Era uma vez o micélio mágico.
\Ana/
O silêncio permite-nos estar mais presentes, no dia a dia, mais ligados ao que estamos a fazer. Todos esses sons da natureza, o vento, a chuva, os animais também. Essa presença diferente, mais consciente também faz com que a gente tenha mais convívio com eles, tenha uma ligação mais presente com eles.
A comunicação com eles é muita porque eles não falam mas mesmo sem fazer som nenhum, só os gestos, os movimentos deles ou a expressão, à medida que vamos estando com eles, vamos-nos apercebendo o que é que eles estão a pensar, o que é que eles nos querem transmitir e nós estamos a falar como se fosse com um humano mas estamos a comunicar com eles na mesma, sim.
Eu venho de biologia, então a parte da botânica é das que eu gostava mais. Adoro ver as comunidades vegetais, a flora que aparece, que vai aparecendo e desaparecendo. Por exemplo, agora depois do fogo, mudou completamente. Apesar das pessoas verem o fogo como um elemento muito negativo, faz parte do que a gente tem e não traz só coisas más, realmente o mar de giestas que nós cá tínhamos já não era uma situação sustentável. Aqui a terra é muito fértil e nós tínhamos giestal tão denso que nem as árvores conseguiam, iriam ter que apodrecer, morrer. Pronto, sei lá, é para dizer, se não houvesse fogo a coisa ia na mesma mas havendo foi um reset que se deu no sistema e não é necessariamente uma coisa má. É claro que houve erosão de solo, o sistema de fogos recorrentes que nós temos hoje em dia é mau porque cria muita erosão e não deixa vir a vegetação arbórea tão rápido, sofre tudo com isso. Mas por exemplo, aqui já não ardia há, acho que ninguém se lembra de um fogo aqui, isto já estava abandonado, a maior parte aqui das terras estava abandonada há mais de 20 anos, as que não tinham agricultura agora e portanto era uma acumulação muito grande de matéria orgânica. Não foi necessariamente mau. Criou outras oportunidades, agora vejo muitas plantas que não se viam antes, que estão agora a vir, muitas árvores pequeninas que estavam lá encolhidas agora estão a vir até com mais força. Algumas já estão do tamanho que estavam antes. Outras não, morreram.
Tudo tem prós e contras, nem tudo é mau nem tudo é bom.
Mas voltando à questão das plantas, agora divaguei um bocadinho, gosto de ver, gosto de observar a forma como as comunidades vegetais evoluem, ver o que é que elas comunicam também acerca da terra. Nós vemos um pasto ou matos, o quer que seja, e conseguimos ver através do que lá está, das espécies que lá estão, se a terra ali é mais funda, se é mais superficial, se tem mais água, se tem menos água. Isso é tudo interessante. Ver a diversidade é bonito também, a diversidade de vida. Desde que cá estão as ovelhas que também… ah é só da parte do vegetal, eu divago um bocadinho desculpa, depois isto é tudo editado, ainda bem, porque eu começo a divagar.
Em relação às árvores, fazem cá falta, há muito pouquinhas mas vai havendo alguma regeneração natural, muita de azinheira, porque havia aqui um azinhal grande ao pé de nós e os pássaros assim iam trazendo as bolotas. Havia aqui muita, não era muita mas pronto, era o que tínhamos mais, de azinheira. Muita dela está a recuperar, outra não, mas pronto.
O que me dá mais gosto nisto tudo é andar a pôr as bolotas e ver o resultado, ver depois os carvalhos a nascer do chão, e imaginar como é que isto pode ser daqui a uns anos. É o que me dá mais gosto nisto tudo.
|A mAtErnidAdE|
Mas o que interessa é a lã dos mamutes e a qualidade de vida que trouxe às nossas pastoras.
A mamuta e a sua amiga sharmuta não tiveram a infelicidade de conhecer nem a ordenha mecânica, nem as mamites, nem os estros sincronizados, nem a inseminação artificial. Consequentemente o mamute teve a felicidade de não conhecer os electro-ejaculadores, aquelas sondas eléctricas bipolares de exploração rectal.
Naquela época, o amor era electrificante e não electrificado. O orgasmo animal era além de sensual, consensual.
Não eram apenas as sondas que eram bipolares e em algum momento de criatividade, observaram que a electrificação das têmporas despolarizava os pacientes mais impacientes, vulgos doentes ou dementes.
Se o mamute e a mamuta fossem confrontados com tal criatividade teriam com certeza emigrado para os pólos e seriam hoje possível e carinhosamente conhecidos por busca-pólos dentro da comunidade veterinária mais sarcástica.
As nossas pastoras respeitavam a fisiologia dos seus bichos, interessava-lhes transumar, não transumanar, e, realmente cuidar dos seus descendentes, por mais transcendente que possa parecer.
Mas não deixava de ser o princípio do fim da liberdade de todas as espécies contíguas à nossa.
Talvez seja daí que vem a expressão utilizada ao brindar “À nossa”, brindemos apenas e exclusivamente à nossa.
As restantes lá irão, porque também dizem por aí, quem fica cá fica, quem vai lá vai, bye bye.
Bai bai, lá dizem no Porto e bye bye lá dizem em Londres, sim, porque no entretanto, surgiram as línguas.
Todas dizem as mesmas coisas mas de maneira diferente, e por vezes, coisas diferentes mas da mesma maneira.
Por exemplo: quando os serranos quer da Estrela quer da Gardunha não estão interessados, mesmo, em algo, dizem que estão a defecar-se enquanto que os além mancha, numa situação de desinteresse idêntica, apesar de terem uma reação igualmente escatológica dizem que não dão uma defecação. Não faz sentido nenhum.
Enfim, os bichos das nossas pastoras falam a mesma língua em qualquer parte do planeta.
Talvez seja por isso que viajam pouco, por saberem o que vão encontrar para lá das fronteiras que não existem.
Ou será pelas cercas, não bastando o fel das sondas, algumas também electrificadas? Ou pelos cães de guarda?
Ou pelas visitas sem retorno àquelas casas em que entram em fila indiana?
Estratégia milenar de guerra, essa em que os guerreiros caminhavam enfileirados e os últimos apagavam as pegadas.
Mas os bichos das nossas pastoras não eram guerreiros nem estavam em guerra com ninguém.
Mas alguém estava em guerra com eles e não sendo poucos os que juntavam o inútil ao desagradável, A sua criatividade chegaria à geminação laboratorial.
Da ejaculação precoce electro-forçada germinaram a fecundação em vidro fumado para passar desapercebidos no trânsito vaginal.
\Maria da Conceição/
Elas nem consentem! Há de tudo, também os animais são como o ser humano, tal e qual! Os animais são tudo, há muitas que têm os filhos, poucas porque muitas não, há poucas que têm os filhos e abandonam-os e aí vão elas. Mas de cem, uma. Agora as outras são carinhosas como seja um ser humano. Mas um ser humano daqueles bons, não é um daqueles seres humanos daqueles maus. Ai isso é, os filhos, meu Deus.
Agora o ser humano, acho que sim, a maternidade é a coisa mais bonita que pode haver de cima da face da Terra.
Quando se tem um filho com muito amor é a coisa mais bonita que pode haver. E a coisa mais bonita que pode haver e havia de existir muito mais forte do que há, é o amor de pais e filhos. Fico muito triste quando, porque isto é assim, há um pai que podem ser maus pais, ou porque eles já não tiveram boas relações com eles e não tiveram aquele afecto que deviam ter…
O homem às vezes também é capaz de obrigar a mulher a certas coisas, antes tratá-la mal e depois obrigá-la. Não deve fazer isso, porque não há nenhum, isto ao ver como uma mulher, não há nenhum animal macho que trate mal a fêmea. Alto lá, pára o baile.
Oh pá, as fêmeas também são terríveis e de hoje em dia então, também vou ali já volto. E acho que às vezes, vá, sei lá, olhe o mundo está louco. Não sei, tinha palavras mas não vou dizer, tinha palavras para dizer mas não vou dizer porque acho que não se devem dizer mas o mundo está completamente destruído, a ele próprio.
E não senhora, as pessoas só olham para elas, porque estão bem vestidas, eu estou mais bem vestida do que aquela e a minha roupa é melhor que aquela e esquecem-se de outras coisas que têm mais valor que a roupa.
\Ana/
Tiraram a maternidade às mulheres. A mulher é só uma coisa que está ali, que tinha lá o bebé dentro e chega lá um doutor que vai lá e acha que ele é que faz o trabalho. A mulher não pode estar como quer, não pode andar, não pode estar de cócoras, não pode estar nas posições mais naturais para ela, para ajudar o trabalho de parto, porque não é conveniente para o senhor doutor ou para quem quer que esteja lá a assistir. Como uma vez vi uma que estava a dizer que não tinha que levar com os fluidos da grávida. A grávida tinha que estar deitadinha, mesmo que seja a posição mais desconfortável não interessa porque o médico é que tem que estar confortável e não a pessoa que está a parir. Revolta-me este tipo de visão e está muito embrenhado na nossa sociedade, este modo de desvalorizar o papel da mulher e da maternidade e da vida. É tudo tecnológico, tudo controlável, tem que estar tudo planeado. É um bocadinho abstracto isto mas não bom para ninguém, nem para os bebés que vêm, nem para as mães, nem mesmo para os homens, acaba por não ser, depois andamos aqui todos descompensados e cansados e irritados e não está equilibrado este sistema mas é uma coisa que vem de um fundo muito feio, de controlo e de maldade, que as pessoas nem se apercebem que isto está mesmo entranhado no sistema em que vivemos.
\Alcina/
É assim, no dia de hoje, os pais já fazem, tirando a amamentação, já fazem tudo como as mães, não é? O que é que acontece, o bicho, o carneiro não, depois que, acho que, os animais, tipo o carneiro, o macho das ovelhas, não tem qualquer afinidade com os filhos, é um animal qualquer.
Por exemplo, nós temos aqui as andorinhas, nós vemos que há casais que ficam, que trabalham os dois em conjunto para alimentar os filhos ao passo que o carneiro não tem essa preocupação, não tem nada a ver.
A função dele é fazer com que a ovelha pára mas a partir dali, não tem mais, não faz mais nada, é mais preguiçoso.
|AdÃo & EvA|
As nossas pastoras eram nascidas e paridas tal como o seu gado mas um dia deixariam de o ser, quando o sílex fosse trocado por lâminas em inox e o parto trocado por um sono sintetizado na alquimia dos tempos modernos,
Na era do descartável e da anestesia geral, dentro e fora das salas de cirurgia plástica correctiva de defeitos estéticos maléficos.
Na celebração da assepsia, provavelmente no limiar da doentia, garantida pela irresistibilidade das gomas antibióticas, tomadas sem parcimónia nem qualquer tipo de cerimónia.
A gratidão fora gratinada num qualquer incinerador e servida fria para melhorar a indigestão e promover a indisposição geral.
A dádiva da vida viria a ser dividida em parcelas de dívida
Parir de barriga aberta vale mais que um cabrito esfolado e afogado em vinha-d’alho
E não se sabe muito bem quando abandonaram o refogado de páreas e o guisado loquial para acompanhar e celebrar a parição bem sucedida.
As nossas pastoras eram nascidas e paridas tal como o seu gado mas um dia deixariam de o ser, quando o sílex fosse trocado por lâminas em inox e o parto trocado por um sono sintetizado na alquimia dos tempos modernos,
Na era do descartável e da anestesia geral, dentro e fora das salas de cirurgia plástica correctiva de defeitos estéticos maléficos.
Na celebração da assepsia, provavelmente no limiar da doentia, garantida pela irresistibilidade das gomas antibióticas, tomadas sem parcimónia nem qualquer tipo de cerimónia.
A gratidão fora gratinada num qualquer incinerador e servida fria para melhorar a indigestão e promover a indisposição geral.
A dádiva da vida viria a ser dividida em parcelas de dívida
Parir de barriga aberta vale mais que um cabrito esfolado e afogado em vinha-d’alho
E não se sabe muito bem quando abandonaram o refogado de páreas e o guisado loquial para acompanhar e celebrar a parição bem sucedida.
Abandonadas ficaram as doulas sem também nunca terem conseguido a sindicalização.
Trabalham agora no aterro sanitário que se avista daqui, a meio caminho da Estrela, não cadente, talvez decadente, mas carbonizada com certeza.
Acabaram de terminar um almoço regado a azeite a ferver para relembrar os tempos em que invadiam castelos e churrascavam cientistas incautas em fogueiras públicas mas pouco pudicas.
O ar da Gardunha cheira a granito mesmo para quem não tenha o olfacto apurado.
É um cheiro agradável para quem tem 300 milhões de anos. Calmo e tranquilo, transmite uma serenidade inefável no seu monólogo solitário.
Para o ouvir não se pode ser mouco mas sim um pouco louco.
E quantas histórias tem para contar! Ele assistiu ao aparecimento dos organismos complexos, ao brotar da reprodução sexuada até à reprodução sem sexo passando pelo sexo sem reprodução. Porque para se chegar à extinção, teve que se brincar à reprodução. Ele assistiu à reprodução e à extinção de uns quantos e de umas quantas que andaram por aqui e continuará a assistir, na sua calma inabalável. Também não tem sindicato mas é rico em silicatos e consequentemente em silício. Apesar da sua equanimidade magnânima, processa um monte de informação, 300 milhões de anos de informação. Tendo em conta a sua vertente glaciar não necessita de arrefecimento externo, é um autêntico processador de memória molecular na semântica digital, quântico ou não, não interessa, interessa é o saber que irradia dele, o conhecimento que emana da sua vibração atómica, inaparente tendo em conta a sua aparente frigidez. No seu âmago electrónico repousa a nossa biblioteca de Alexandria, com a vantagem que não arde, apesar das incontáveis e sucessivas tentativas que deixaram a Gardunha e a Estrela nuas, um prazer para os mais perversos na satisfação dos seus desvios. Continuem, estão no bom caminho dizem os átomos do granito, perito em episódios cataclísmicos de extinção em massa. E veremos de que vos serve a massa quando estiverem à beira da extinção, quando sentirem a massa cinzenta seca que nem baquelite, na derradeira encefalite, no último espasmo da vossa era dourada, no calafrio final, sombrio, terminal. Enfim, continuem como se não houvesse amanhã e um dia realmente, não haverá.
Eu cá ficarei, a caminho da Aurica, a quem prefiro chamar Americália em homenagem à vossa Amália.
E deixo-vos esta pergunta:
Sabem quantos átomos existem em 1 metro cúbico de granito?
6x10 elevado a 23.
600 milhões de milhões de milhões de átomos!
Se não fosse granito, gostaria de ser fotão para viajar daqui ao sol em 8 minutos, viver para sempre e imprimir as retinas de cores vibrantes, excitantes e luxuriantes.
\Maria da Conceição/
A humanidade quer ser dono de uma coisa e quando lhe dá para ser, para querer ser o dono, inventa. Inventa um é de Jesus Cristo, outro é o Reino de Deus, outro é isto, outro é aquilo, outro é cristão,
outro não é cristão, outro é jeová, outro é… As religiões bate tudo ao mesmo, só que cada um vivesse um para um lado, outro para outro, outro para outro. Para mim, eu não sou ninguém, até gostava de aprender com pessoas que… Mas volto a dizer e digo-lhe já, francamente, se acreditam e apregam, quando se puserem à frente das pessoas que cumpram. Eu vou-lhe dizer uma coisa, eu já não sou capaz de ir ouvir ninguém, já não acredito em ninguém. Estar ali bababababa e depois sai dali é uma selvajaria.
Ai isso não.
\Ana/
Para mim essa interpretação da Bíblia, isso poderia ser, não sei, não sou estudiosa dessas coisas, mas o que me parece é que poderia ser talvez, o jardim do Éden poderia ser a nossa vida em tribo, em comunidade, em que não tínhamos agricultura, era a abundância do que a floresta e a natureza davam. Na verdade, se formos ver as tribos que ainda existem, eles não têm carências nutricionais, vivem bem, a menos que sejam mortos por um leopardo ou por um bicho desses. À parte dessas coisas estão bem e viviam bem e com saúde. Não tinham que trabalhar assim tanto, não tinham tantas guerras e tudo isso. Talvez isso fosse o que a Bíblia fala do jardim do Éden. É essa fase em que nós aqui queremos um pouco de agricultura, mas o objectivo é essa relação com o ecossistema pré-humanização. Por exemplo, quando tivermos muita floresta autóctone, podemos viver mais do que a floresta dá do que da agricultura. Por exemplo, da bolota, a comida dos nossos antepassados, agora historicamente não sei dizer mas acho que ainda até há bem pouco tempo no Alentejo comia-se bastante bolota. A minha mãe ainda diz que o pai dela comprava bolotas de azinheira para comerem em casa e que ela gostava. Havia toda essa relação com o que a natureza dava só por si que foi desaparecendo depois com a agricultura. Nós aqui gostávamos de voltar a esse jardim do Éden, por assim dizer, em que podemos chegar à floresta e viver do que ela dá - diversas bagas, bolota, castanha, um pouquinho de caça até se houver muita abundância de animais. Sempre é melhor os animais, na minha perspectiva se houvesse abundância, porque nós agora somos muitos e se toda a gente fosse fazer isso dávamos cabo da pouca vida que há selvagem. Mas eticamente para mim seria melhor o animal estar mesmo à vontade dele do que sermos nós a decidir tudo sobre a vida dele. Vamos voltar ao que tínhamos já falado, não é não ético mas do ponto de vista do animal talvez fosse melhor, não sei, é diferente.
\Maria da Conceição/
Perante as minhas sabedorias, por acaso já li a Bíblia toda, não tenho sabedoria capaz de explicar essas coisas, como vieram, como somos. Mas que eu acredito em algo sobrenatural acredito. E acredito que nós às vezes não mandamos nada. As coisas acontecem porque têm que suceder. Não sei, não tenho sabedoria para isso. Agora também volto a dizer, acredito nos cientistas, agora eles como é que vão a buscar de um osso que apanham aí que tem bilhões e bilhões de anos? Não sei! Não tenho capacidade, não critico ninguém, temos esta doutrina e ensinaram-nos que há um deus, esse deus não é deus nenhum. É o quê? Para mim é um título que lhe dão, a um ser que ninguém o viu. A existência de Jesus Cristo ninguém a pode negar.
\Ana/
Nós aqui queremos voltar ao jardim do Éden, dentro do possível.
Sim, essa relação com a natureza que haveria nessa fase pré-civilização.
\Maria da Conceição/
Cada coisa, o macaco é o macaco, o cão é o cão, o gato é o gato, a galinha é a galinha, isto ou aquilo.
Como é que nós aparecemos?
Ninguém…
As pessoas e os cientistas que se calem porque eles não sabem. Ninguém sabe.
\Alcina/
Aquela com que sempre me embelaram foi o que o catecismo me ensinou. Deus criou o céu e a terra. Grandes estudos eu também não tenho, não posso manifestar daquilo que não sei. Agora claro que há as duas versões sim. Qual será a mais… não sei.
Que acredito que estejamos a caminhar a passos largos para um fim, se calhar acredito. Agora a razão do princípio, sei lá, embelo-me porque foi aquela que me embelaram no berço, Deus criou o céu e a terra, não é?
|O fUtUrO|
Estaremos todos profundamente alienados da insurreição que está a caminho?
Como dizem por aí, nada se perde, tudo se transforma, talvez venhamos a ser o combustível fóssil do povo dócil que ainda há de aparecer.
Ser-lhe-á difícil entender o quão físsil é um bioma e quão fácil é destruí-lo?
O que cabe num cubo de 792m de lado? Cabem 8 bilhões de Humus Sapiens, Humus Sapiens, no seu processo lento de fossilização e transformação em combustível.
Não é assim tanto quanto isso tendo em conta que desde 1850 consumimos um cubo com 2779m de lado, um cubo 3,5 vezes maior que o cubo humano.
Esperemos, para o seu bem, que o povo dócil que ainda há de aparecer seja menos numeroso ou que queime outra coisa para se aquecer e se arrefecer e se entreter e se mover.
E se não o for, boa sorte na sua jornada.
Depois de nós seguir-se-á um coma planetário mas não derradeiro, apenas passageiro, tal como todos nós fomos:
Passageiros da nave mãe até ao último suspiro, individual e colectivo.
A nave continuará a sua viagem tranquila pelo universo digerindo com as enzimas do tempo o lixo da nossa insustentabilidade e os restos da nossa criatividade industrial porque tem todo o tempo do mundo.
Nos seus registos ficará gravado o momento em que uns cogumelos apanhados no estrume fresco de um mamute mudaram o curso da história de uma espécie e de todas as que com ela coabitavam durante a sua viagem pelo espaço sideral.
\Alcina/
Eu acredito que queijo nunca vai deixar de haver mas feito da maneira assim tradicional, vai-se perder, acredito.
\Ana/
Agora é melhor não falar até isto passar ou dá na mesma?
Trabalhos no governo, a burocracia também, estaria limitada à burocracia, não poderia fazer nada em concreto. Comecei a ver que a única saída era trabalhar numa associação privada, já com mais liberdade, e mesmo assim sempre muito condicionada porque as associações também têm que, tudo têm que obedecer às regras do Estado. Por um lado pode ser bom, para proteger certas coisas do património natural mas também pode limitar demasiado e não deixar a pessoa fazer nada. Temos nos deparado muito com isso. Uma pessoa estando individual tem outra liberdade de encontrar caminhos e assim. Comecei a aperceber-me destas coisas todas ao longo do percurso e comecei a ver que era por aqui que eu ia estar mais realizada. E é isso que me dá ânimo no dia a dia, estar aqui e ver o nosso trabalho, ver as árvores a crescer, ver as ovelhas, o trabalho que elas fazem na terra, ver a cultura que está a desaparecer, por exemplo, no fazer do queijo, na agricultura tradicional, coisas que estão a desaparecer que também acho que são importantes para o futuro - preservar esses saberes, também estamos a trabalhar para fazer esse tipo de coisas e isso também dá ânimo.
Para mim não haveria outra saída do que esta para eu estar bem!
Saídas há mas não ia estar bem.
\Alcina/
Nós aprendemos fácil aquilo que se torna fácil para nós. Não é?
O que é que se torna fácil para nós?
Andarmos de carro, andarmos de isto e andarmos de aquilo. Isso aprendemos fácil.
Agora sair do fácil para o difícil, isso já é mais difícil.
Eu acredito muito que seja muito difícil voltar ao mesmo porque a sociedade não está preparada para fazer sacrifícios seja por aquilo que for. A minha filha zanga-se por tudo e por nada, zanga-se em casa quando por vezes faço mal a separação do lixo, que às vezes estou com pressa e nem sempre faço. Ela dá-me cada raspanete e às vezes até lhe digo “Ó Simone, pára, então vê lá, foi só uma garrafa”, “Pois é, se toda a gente pensar como tu, não sei quê…”, dá-me logo ali um raspanete grande. E às vezes digo assim “os verdadeiros culpados ninguém lhe diz nada”, mas prontos.
\Maria da Conceição/
Cada um acaba a vida, acaba a vida. Pronto, nós temos um ciclo para viver e é muito triste, mas a morte é muito triste.
A morte para mim, volto a dizer, é muito triste. Quando a gente perde, perde tudo, é muito triste.
\Alcina/
Eu o que às vezes eu penso é que quando falamos ou ouvimos falar, por exemplo falamos agora no caso concreto da guerra da Rússia, é que às vezes os homens têm tanto poder, que utilizando mal esse poder podem destruir tudo à sua volta e irmos todos de arrasto. Pode acontecer, sei lá. Agora falo numa questão disto da guerra, é que acredito que se eles estão a fazer como falam, e eu sou, quem sou eu para falar de certas coisas, nestas bombas atómicas, destas coisas, se começa a haver um conflito e começam a usar essas coisas, eu acho que isso pode dar um começo para o fim de tudo. Se calhar é a minha mais opinião para este dito fim, ainda pode ser a razão destes poderosos quererem tudo e acabarem com tudo por causa da ganância que eles têm do poder.
Ainda será a minha parte mais convicta assim de falar, é estas pessoas que… lá está, o querer tudo vai-se perder tudo para eles e para nós, e perdermo-nos nós no meio destes conflitos todos.
|A EssÊnciA|
Do austral pitoresco ao sabedor passando pelo erecto
Do paleolítico ao neolítico passando pelo raquítico
Do sílex ao silício passando pelo granito,
Só faltou inventar a água em pó e o deserto nunca seria uma ameaça.
Mas os ripícolas ignorantes gostavam mesmo era de esgotar os seus rios, de recursos e de esgotos, como é evidente dada a redundância, e, da militância humana pela água enquanto vector da sua inerente falta de higiene moral e social, perito e erudito em mau ambiente até que a morte os separe.
No entretanto podemos plantar uma árvore, fazer um filho e escrever um livro, porque não, Tsunami meu amor, uma história de amor, claro, e incesto, de uma espécie singular pela sua pluralidade e promiscuidade, uma história de assédio assíduo, de amantes entediados, diamantes ensanguentados, a história de um planeta que parece vingativo mas é apenas reivindicativo.
Tsunami meu amor acabaria com o uivo de uma loba que acabara de se deliciar na jugular quente de uma cabra agora fria.
Enquanto a loba se besunta de vermelho a cabra defunta-se de azul.
Porque azul é frio e vermelho é quente.
Talvez seja por isso que o capuchinho da outra é vermelho, para atrair o lobo mau.
Cuidado, ele poderá vir acompanhado da sua alcateia, é um bicho muito social o lobo mau.
É um bicho muito mau o lobo mau mas que sabe que à falta de sangue segue-se a falta de vida.
E que os rebanhos não abundam por aí.
A abundância não é a ausência de escassez é a consciência da escassez, a percepção da finitude, amiúde, ignorada levianamente.
Leviana a mente de quem ignora a finidade da vida alheia na sua afinidade sem fim por si mesmo.
\Alcina/
Olhe, eu já fui, falando por mim própria, eu já fui muito feliz.
E às vezes, digamos assim, eu fui muito feliz e não sabia. Mas isso só quando perdemos as coisas é que vemos.
Antes, quando a minha filhota, a mais velha, tinha quatro anos, ela fez a primeira actuação no rancho folclórico de Videmonte tinha quatro anos, pequenita, ela e um mocito da idade dela também. Ela arrastou-nos a todos um bocadinho para lá. A primeira foi ela, depois foi, ela tinha de diferença da irmã cinco anos, depois atrás dela fomos todos. Ainda andamos todos os quatro no rancho folclórico de Videmonte. Ainda lá andamos todos os quatro.
E éramos felizes assim. Posso-lhe dizer que éramos felizes. Muitas vezes, quando era à noite, imagine o que era quando tínhamos ensaio do rancho a um sábado à noite, ou a uma sexta feira à noite. Eu tinha que meter as ovelhas uma hora mais cedo, tinha que fazer tudo uma hora mais cedo para poder estar. Fazíamos tudo a correr, fazia-se tudo a correr mas fazíamos por uma questão de gosto e de prazer que nos dava, no fundo de sairmos, conhecermos pessoas novas, estarmos um bocadinho com as pessoas. Foi bom, prontos, foi muito bom essa parte.
Infelizmente eu perdi a filha e juntamente com a minha filha o rancho folclórico morreu também.
Nunca mais houve uma actuação, nunca mais houve um ensaio, parou-se tudo no tempo.
Que tenha forças para voltar, não sei se tenho, o tempo o dirá.
Se calhar há pessoas que estão à espera que eu diga o sim, que o meu marido diga o sim, para se voltar a levantar. Mas é difícil. É muito difícil, perdeu-se… ir para aquilo que nos puxou. A minha filha dava a vida pelo rancho.
Eu lembro-me que a seguir ao funeral dela, tive amiguitos, amigos e colegas da universidade que vieram cá um mês mais tarde. O acidente foi em Novembro, vieram cá no mês de Dezembro. E lá entraram em contacto com a minha filha e lá combinaram, depois fomos falar com o padre, disse uma missa, e as pessoas e os amigos vieram, depois foram todos ao cemitério, do cemitério vieram porque fiz o almoço, vieram lá de baixo do Alentejo. A minha filha estudou em Idanha, tinha muitos amigos daquela zona lá de baixo. E uma pergunta que uma moça me fez, nunca me esqueceu, que me perguntou, estávamos no quarto dela, depois levamo-los lá e disse-lhes se queriam levar alguma recordação dela que escolhessem o que quisessem, e dela me dizer, “tenho uma pergunta para lhe fazer”, “então se souber responder”, “A Raquel quando partiu levava a roupa do rancho?”. E eu disse “Não”, “Sabe porque o último jantar que tivemos, ela não foi porque tinha uma actuação com o rancho, ela dava a vida pelo rancho, ela brilhava com os olhos cada vez que se lhe falava do rancho”. E aquilo marcou-me de tal maneira, ainda às vezes olho para o lenço dela e para as coisas dela e digo assim “epá pois, realmente”, mas a gente na hora não pensa, não tens cabeça para pensar. E depois daí vou tirando as minhas conclusões, fui muito feliz e não sabia.
Quando me falava na relação com o silêncio, eu gosto muito de andar no campo. A mim faz-me falta o guardar as ovelhas, eu se tiver um dia, uma semana que eu não guarde as ovelhas, eu própria já não ando bem, porque me faz falta. Faz-me falta a minha relação com o campo.
E eu aprendi após o acidente e após tudo aquilo que eu passei, eu ver que as ovelhas me entendiam. Eu vi, porque eu via que elas, se eu estivesse mal, havia dias que me fartava de chorar, elas iam ao pé de mim e com o focinhito delas quase a lamber-me a cara, a focinharem-me toda e eu disse “ epá como é possível?”.
É preciso passar por uma coisa tão forte para perceber o quanto estes animais, nós dizemos que não têm sentimentos, que não têm nada, para perceber que realmente, as pessoas têm, os animais têm quase sentimentos como nós. Porque se nós dermos uma pancada a um cão ou qualquer coisa que ele se porte mal, ele fica, não é? Eles têm sentimentos. Os meus cães quando me viam mal, este Teodoro, nós chamamos-lhe, tem o nome de Teodoro, eu tinha que me especar ou sentar-me porque ele deitava-me ao chão para me lavar a cara. Era impressionante como ele sentia a dor que nós estávamos a sentir.
Custou, custou muito e as partes boas da vida é tirarmos a amizade das pessoas, porque se todos déssemos um bocadinho de nós. Nós tínhamos que aprender, eu digo uma coisa, eu digo isto muitas vezes à minha filha e eu acho que ela já diz isto assim como uma coisa “nós temos que aprender a dar”, se aprendermos a dar, acho que Deus nos dá em dobro. E quando falamos em qualquer coisa e ela agora já diz “Olha Deus que nos dê de dar e não de pedir”. Volta e meia já ouço a minha filha a dizer isso “Deus que nos dê de dar e não de pedir” e é verdade, se nós, todos temos que dar, nem que seja um abraço.
Quantas vezes estou mal e que chego ao pé de uma amiga e que me dizem epá se calhar o simples abraço, não precisamos de palavras se calhar, só um simples abraço sem interesse, já é muito.
Não é uma questão, porque o valor não está na quantidade de dinheiro que conseguimos transportar no bolso ou na carteira.
Porque isso chegamos a dizer que por muito dinheiro que nós tenhamos, ajuda, sim, ajuda, e ajuda muito mas dá-nos alguma felicidade?
Acho que não.
Eu consigo entrar e sempre fomos, sempre fomos eu e o meu marido umas pessoas muito bem dadas, todos, por exemplo a minha filha quando partiu, a minha filha, ela… Eu tive o apoio da aldeia que é inexplicável, não se explica. Eu às vezes não tenho palavras para explicar. Nós ainda temos o ritual de passar todos os dias no cemitério. O meu ritual e do marido é assim, ordenhamos, fazemos esta parte aqui, tomamos o pequeno almoço, vamos ao café, tomamos um cafezinho no café e vamos ao cemitério. Temos que ir! Às vezes há pessoas que já me têm dito, “o que vais lá fazer?” Mas tenho que ir, Prontos. Parece que chego lá, estou lá um bocadinho e depois venho, parece que trago um ar novo. Não sei explicar.
E o meu deixar, que foi a seguir ao acidente que deixei de ir ao café, deixei de sair, deixei, eu não ia às missas a não ser às missas da minha filha, eu não ia a missas nenhumas. Uma coisa, eu sou devota, prontos cada um tem a sua mania e eu também tenho esta minha. Eu deixei de ir por completo, questionava-me muita vez e eu dizer assim “eu tenho tanta fé em Nossa Senhora de Fátima, então e de que me valeu a minha fé?”.
Eu questionava-me assim.
E um dia estava-me assim a questionar e parece que me bate uma coisa no peito e que me diz assim “Então calma, Nossa Senhora também passou pela morte do filho, assistiu a tudo”. Não é? Às vezes digo assim, posso criticar alguém? Às vezes a minha dor é muito forte mas eu não sei a sua. Não é? Porque é que hei de estar sempre a lamentar a minha a minha a minha? Eu não sei o que está por trás da sua camisa. Não é?
Não sei o que está por trás da camisa do outro. Temos que dizer assim, se nós deixássemos de ser orgulhosos e aprendêssemos a dar, eu acho que o mundo seria muito melhor. É só aquilo que eu digo.
O termos que dar,não temos que dar uma nota. Não temos que dar, acho que o termos que dar um sorriso, um aperto de mão, um abraço na hora certa, eu acho que isso vale mais que qualquer coisa.
Pelo menos é essa a.. Foi isso que a vida me ensinou e dizer assim, o dinheiro dá jeito dá, dá muito jeito, a gente farta-se de trabalhar para conseguir.
Se me disser assim, tenho muita coisa tenho, Tens muito dinheiro, Não, não tenho.
Mas tens muitos amigos? Digo “tenho”. Tenho uns bons amigos.
No geral é aquilo que posso dizer.
Tenho aquilo que preciso.
Deus tirou-me uma filha, sim, foi um momento que não se explica. Receber uma chamada de um telefone e dizer assim “a tua filha está morta num acidente” é uma coisa de… não se explica, prontos.
Eu nem sequer sei o que passei. A partir dali, eu acho que não sei se nós temos cá alguma injecção interior que nos anestesia o corpo todo, porque há ali uns momentos que eu tenho aquela coisa de pegar no telefone e de me dizer que fulano estava, porque a Raquel teve um acidente e não sei quê não sei quê, e de eu ligar e dizerem “Alcina, a tua filha está morta”.
A partir dali parece que temos uma mó cá dentro que nos dá logo ali uma injeção que nos… não tem explicação. Às vezes gostava de saber explicar e não sei.
E depois dali vamos tirando as nossas conclusões.
A minha filha era uma pessoa super simples. Eu as zangas que eu tive com a minha filha era a simplicidade dela.
No dia de hoje eu aprendi, eu já disse isto e até já disse isto à televisão uma vez. Eu aprendi a conhecer a minha filha depois que a perdi. Porque eu zangava-me tantas vezes, ela era super simples mesmo. Ela tirou solicitadoria, já estava a trabalhar no escritório dela e as coisas estavam a funcionar bem porque eu não lhe dava dinheiro para nada e não me deixou dívidas, não é?
Então eu zangava-me com ela “Raquel vai arranjar as unhas”, “Euhh”.
“Raquel essa roupa não te fica muito bem”, “Euhh”.
“Não está lavada Mãe?”
Às vezes dizia-lhe assim “Essa camisa já está velha”, ela usava muito camisas, blusas ou assim, “Ó Raquel essa..”, “Ó Mãe, não está lavada e passada?”
E a partir daí, eu aprendi a ver o… e acredite se falo se me chamarem maluca de eu dizer que eu falo com ela, falo.
Eu aprendi a conhecer que a simplicidade dela mostrou-se depois que eu a perdi. No dia de hoje, eu aprendi que a Raquel, como me diziam as velhotas, as pessoas mais idosas já, com os seus sessenta, setenta, não digo sessentas, digo setentas e oitentas anos, que me dizem assim “A Raquel não era só tua, A Raquel era nossa. A Raquel faz falta na igreja. A Raquel faz falta aqui. A Raquel era a alma do rancho.
A Raquel era a alma do grupo coral porque depois que a Raquel partiu o grupo coral nunca mais cantou, esvaneceu-se. A Raquel era a alma do rancho porque depois que a Raquel partiu nunca mais houve rancho.” Sei lá, e aquela simplicidade daquela menina, que era simples mesmo, ela vinha para aqui, temos aqui atrás da queijaria um moinho onde partimos o centeio e o milho para darmos às ovelhas. Ela vinha para ali e andava-me toda enfarinhada, cheia, toda branca
Eu dizia-lhe “Ó Raquel olha como andas!”, “Olha, quero lá saber Mãe”.
Quantas vezes, as zangas que eu tinha com a minha filha era a falta de cuidado que ela tinha com ela própria, mas depois vi o cuidado que ela tinha com os outros.
E isso foi o que fez dela uma grande pessoa.
Porque às vezes dizem, ainda este ano fui a Fátima a pé e houve um padrinho dela de afinicão que me disse assim “A Raquel com 28 anos deixou um propósito de vida na aldeia de Videmonte que nós não vamos deixar se morrermos com 80, com 90 ou 100.
E por isso vemos, a minha filha era de dar, eu dizia-lhe assim, eu zangava-me muitas vezes com ela “Raquel tu ficas sem as coisas”, “Mãe não importa”.
E lá está, se todos formos de dar, porque o dar não conta só a nota, conta dar um abraço, um apoio, um afecto, uma visita, não é?
E acho que era isso, bastava isso para mudarmos um bocadinho o nosso bolo da sociedade em si.
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|pastoras das ovelhas|
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|pastores das línguas|
António Simões Iglesias - castelhano
Aurélia Ponsich - francês
Ingrid Renault - francês
Isabel Gawley - inglês
Jess Gawley - inglês
Marta S. Garcia - castelhano
Marta VariaZ - castelhano
Susana Celina - francês
|pastores do filme|
André Neto - edição e mistura de som
António Lopes - equipamento de som
Gabriel Godinho - argumento e narração
Isaac dos Prazeres - drone
Jess Gawley - narração
Pushkhy - realização
Ricardo Tavares - correcção de cor & turbilhão
ROM (Yellow Bop Records) - música
excepto “O Tempo dos alfaiates” de Pushkhy e Nani Brisque
Snails On Speed - produção
|pastores da música|
Sonata Nº2 para Piano em Si bemol Menor, Op.35
Fryderyk Chopin
re-interpretada por André Neto, Yellow Bop Records
IV.Finale: Presto, re-interpretada por N-C1c, feat. Maria do Rosário
|O lObO mAu|
|4 540 002 024|
|O lObO mAu|
|O lObO mAu| é um conto de encantos e desencantos sobre a humanidade e o seu percurso, enquanto espécie e sociedade, no planeta Terra e Água, Ar e Fogo. Entre ficção e realidade, entre a Gardunha e a Estrela,traz as visões e reflexões sobre a vida e a morte, sobre as certezas do presente e as incertezas do futuro, da Alcina, da Ana e da Maria da Conceição, mulheres e pastoras das nossas serras.
|prEfÁciO|
§ está na hora
#1
Está na hora de ouvistarmos uma história.
Todos temos lugar à mesa, ou não fosse esta o chão da terra-mãe, alma-mater, pois então! Alargamos como encolhemos o círculo para acolher e para despedir tanto o importante como o ridículo.
A sopa está servida.
#2
O caldo da vida: apreciemos as suas cores, os seus odores, os seus sabores. Inspiremos com leviandade primeiro; depois aspiremos a uma maior profundidade. Com a boca que sopra de língua vibrante abramos
também as orelhas estonteantes: o conto do lobo vai-nos uivar.
#3
Era uma vez, duas e três - dez mil talvez.
Às cinco da manhã começava o afã da pastorícia, a par da agricultura: a delícia da cultura dos primórdios da humanidade, desgastando a mocidade tão precocemente que nasce já velha tal gente do campo, mas com um vigor capaz de manter o rigor que exige o paraíso a tempo inteiro, alternando entre o frio e o calor de modo grosseiro.
#4
Pascem os gados como os desenfados humanos, ambas as partes sob agasalhos. Mas a lei do chifre impera de chofre: quando o carneiro berra toma cuidado - não vá marrar no costado ou no cofre!
Afugenta-o com o tição, enquanto a gordura se eleva do torrão sob a forma de lambra espiritual que se lambuza com o carnal.
#5
Gorgolejam também os mananciais, arroios e ribeirinhas, fontes diamantinas de água de cristais. Escorrem para longe da aldeia, fugindo para o litoral, para se prostituírem na grande marginal.
Pode ser que um dia as ovelhas a flutuar transumem para o mar, fertilizando o trajecto com a fé do dejecto, como que para indicar o caminho de regresso sob a via láctea sem vergonha profiláctica - a noite na montanha aquece-se com outro tipo de lenha.
#6
Ali na encosta a lei é a do isolamento do momento a roçar na escravidão bem-disposta.
Talvez também resistam de fantasia criaturas insulares envolvidas pela alta poluição dos altos mares.
Mas da Gardunha à Estrela o oceano é de ar puro, que serve de muro à maresia onde bóia como escória toda a porcaria. Na Cova da Beira o ser se enraíza, partilhando com os fungos a força vital estendida na horizontal enquanto aspira à espiral, sem deixar de imaginar as vozes que o silêncio é capaz de enlaçar com pontos e cruzes.
#7
Daí as longas conversas entre bichos e barrocos, entre os ocos e os maciços, entre os desgastes e os viços, flutuando numa espécie de sonho eterno, que roça no céu e no inferno, entre o fogo interior e o exterior, entre o gelo e o degelo, entre a floração e o empedernimento do coração.
#8
Como exprimir tudo isto, como expressá-lo sem espremê-lo num estertor de galo? Mesmo com setenta línguas de setenta bestas: faltariam palavras destras, e as frases seriam de um modulado tão pobre quanto podre.
Mas a contrabalançar a indiferença das consoantes está a fecundidade vogal, que sob a orquestração visual de Pushkhy puxa para a dança, sem sabermos bem como a compreensão avança - apenas nos podemos deixar levar pela magia da poesia com elasticidade e mestria, com sensibilidade e uma inquieta serenidade.
Aonde é que íamos? Ah, perdemo-nos...
#9
Não faz mal. Recomecemos, parindo novas criaturas, que se aprestam às agruras de sempre, ou por elas não se tivessem moldado quantos as precederam. Sobreviveram os que nada tomaram por garantido, para lutarem pelo seu instintivamente ao léu, sem ocultações mais que as das preocupações - porque humanos e animais têm sensibilidades para lá das gastrogenitais.
#10
Pressentimentos de granito, decompondo-se num rito de líquenes e musgos, arredondam aos poucos os contos que vão revelando quando nos aprestamos a auscultar como surdos que se fizessem surdos à própria surdez para ousarem cindir o átomo-talvez, libertando por sua vez uma tremenda energia, com a força estética de mil tosquias genéticas.
#11
E que pararia o processo uma vez desencadeado?
O que nos deixa possessos não é tanto o fim, mas ficarmos pelo meio, sem podermos ver o espectáculo em cheio - apanhamos apenas uma parte, de que nem fazemos parte. Ou assim cremos. Não passarmos de mais um ponto numas longas reticências, que se suspendem indeterminadamente…
Mas a dado momento o parágrafo cede, para o seguinte sobrevir, ou com maior requinte simplesmente dar por concluída a interpretação da existência pela nossa imaginação, concedendo-a aos que ficam à volta do rescaldo, enquanto a história do lobo mau se entenebrece sem saldo.
#12
Cada qual continuará, ou recomeçará: baste que ajunte gravetos que reavivem uma chama: eis que logo emana um chamamento que se estende pelo firmamento.
Outros aproximam-se, cada qual aportando o seu molho de lenha que apanha durante a viagem.
Conglomeram-se, sem grandes associações ou cooperativismo - vieram todos ao mesmo: escutar o uivo, para depois ulularem, sonhando incarnar pelo menos a pele, nem tanto a carne, desse animal dentro do qual arde uma centelha inextinguível.
#13
Pois não resultaria incrível ser o conto uma invenção do vilão, que fingiu um tal final só para se ocultar de modo a continuar a digressão pela eternidade fora, de aurora em aurora, sem reclamar a autoria dos acontecimentos, mas encobrindo-os sob a forma de entretenimento?
Ao azar da sorte: nada que o tudo não suporte, desde que o que importe seja manter o feijão das tradições dentro do ventre vítreo das aculturações, germinando pontualmente quando se trata de mostrá-lo a quem não resultar indiferente tal talo.
Rodrigo Santos
|AzUL & vErmElhO|
Azul é frio. Vermelho é quente. O céu é azul. O sangue é vermelho.
O céu é azul mas nem sempre é frio. Muitas vezes é quente. Quando está quente está calor.
O sangue é vermelho mas nem sempre é quente. Muitas vezes é frio. Quando está frio está morto.
Tem estado cada vez mais quente. Cada vez mais vermelho. Cada vez mais morto.
Extinguem-se os seres de sangue quente, inexorável e irremediavelmente.
E extinguem-se os seres de sangue frio, numa derradeira convulsão febril, na indulgência do último
arrepio.
No final, tudo se resume ao frio.
Quando todo o gelo derreter, deixando as calotas em pelota, será apenas mais um passo a caminho do frio universal.
Até lá, tudo se afogará num caldo bem mais quente do que a sopa primordial, há quatro éons atrás.
Após o entretenimento vem o desaparecimento.
À diversão segue-se a extinção.
E à sapiência, ou à falta dela, a inexistência.
Até lá, aproveitemos o fôlego que nos resta em escavações arqueológicas,
Encontrando ossadas às golfadas!
Suspiremos carbono 14 pelo tempo que passou,
Inspirando ofegantes, os monóxidos e os dióxidos, durante o tempo que ainda falta.
\Maria da Conceição/
Às 5h, fazemos as actividades, damos de comer aos animais. Eles depois têm o seu sítio certo para estarem à sombra. E depois temos também que cultivar as batatas, cultivar o feijão para se comer.
Como aqui estamos numa zona muito seca, temos que semear canas para ceifar e levá-las, e semeamos também o sorgo, a quem temos que regar todos os dias mas aproveitamos a parte da manhã e a parte da tarde para a gente não andar ao calor.
Muito muito muito mal, a gente já não aguenta, pronto já não aguentamos o calor porque, ou da nossa idade, que a gente já não é nova, mas o calor é insuportável, é insuportável, principalmente nesta zona, é muito insuportável, desde as 10h30 até às 5 da tarde.
Com o frio, agora já nem há muito frio como era antigamente, já não há muito frio. Mas há tantos agasalhos e a gente também anda-se sempre a mover de um lado para o outro. A gente não pára desde que se alevanta até que se deita, não paramos.
As pessoas às vezes, tudo gosta de ir para as cidades, tudo gosta de estar nas cidades, tudo vai para as cidades mas é um engano. Eles estão tão enganados, que acho que não compensa. Porque nós aqui nas aldeias… As pessoas têm medo das aldeias, as aldeias é um paraíso. Não há fome, toda a gente tem, é o principal. Temos tudo, as aldeias já estão limpinhas, as aldeias têm todos os confortos e as casas das aldeias. Porque as pessoas que vão para a cidade têm medo da aldeia… Isto já não é como há 50 anos.
Toda a gente se queixa por fazer 8 horas. Então nós fazemos 16, eu já cheguei a fazer muitos anos 20 horas e ainda aqui estou, ainda não morri. Anda é tudo cansado por fazer as 2 ou 3 horas.
Está tudo cansado.
|Os ExtinctOs|
São uns mamíferos engraçados,
Esses, os extintos!
O mamute da beira baixa vivia aqui há umas eras atrás
Uns tempos depois da pulverização da Pangea, quando o manto ainda era geleia.
Era tosquiado na primeira lua cheia após o derreter da neve.
Aqui na Gardunha, com a sua lã, faziam-se os tapetes para a soleira da gruta.
Lá na Estrela, faziam tapetes de burel, para a soleira do bordel.
Sempre foram mais libertinos naquele lado da cova.
Do lado de cá também caçam e também colectam mas dizem que a profissão mais velha do mundo é a de pastor.
Os nossos antepassados, os que se abrigavam nas cavernas e dominaram o fogo talvez não imaginassem o que
a sua descoberta iria catalisar nos 300 mil anos seguintes.
A vida da nossa espécie mudaria radical, profunda e irreversivelmente. Era uma vez a pré-história.
Até ao advento da escrita e da história ainda muita ovelha tinha que parir, muito borrego tinha que ser parido, muito teto tinha que ser mamado e muito teto tinha que ser ordenhado.
Porque é disso que trata toda esta estória, de seres extintos e de seres a caminho da extinção,
Ascendentes e descendentes, todos fruto de misturas genéticas, algumas, indecentes.
A profissão de mercenário alfa é provavelmente a mais antiga das profissões.
A partilha da caça não era nem meiga nem altruísta, nem a mulher era emancipada, era espancada.
Mas isso era há milhares de anos atrás, dizem os costumes…
Voltemos à nossa estória.
Que terão dominado em primeiro, o fogo ou o gado? O fogo, claro!
Para poderem marcar o gado, assar o gado e socializar à volta do churrasco, do gado, que ainda viriam a dominar.
A cerveja seguiu-se naturalmente. E o comércio e a roda e a sedentarização.
A obesidade ainda iria demorar umas primaveras a despontar proeminentemente com a ajuda do queijo das nossas serras e das nossas pastoras, evidentemente, as profissionais mais antigas do mundo, igualmente em vias de extinção e ainda por sindicalizar.
Porque até as pioneiras da transumância são transeuntes do tempo diluído nas águas poluídas que deslizam languidamente pelas cotas de nível abaixo a caminho do mar.
\Alcina/
Temos, ainda temos muitos nascentes mas não é aquela zona, há zonas muito… Quem chega a Videmonte e diz assim “Videmonte é uma zona muito rica porque tem muita água, tem muitas fontes todo o ano a correr”. A aldeia por aqui abaixo tem, sei lá, uns 7 ou 8 chafarizes de água a correr todo o ano. Mas são nascentes que estão canalizados para ali, são bons nascentes.
No geral em si também temos escassez de água na rega. Por exemplo, uma vaga que nós chamamos aqui por aí acima até lá em cima à serra, de lameiros, como a água pertence à regadia, o que é que acontece, eu já estou sem água nos meus lameiros já quase há um mês. As pessoas querem regar, tocam-na para baixo para a povoação, vai para a barragem. A barragem agora ultimamente está cheia, quem está para baixo da barragem, que agora deita fora e enquanto deita fora, agora eu como estou para cima, fico sem água. Os nossos lameiros já estão sem água há quase um mês.
Às vezes dizemos que estamos numa zona com muita água mas são os chafarizes que temos na aldeia que enganam o dizer que temos uma aldeia com muita água, porque do resto temos escassez como os outros.
O mar? Conheço-o, vejo-o poucas vezes!
Gosto do mar. Não é uma coisa que… como há pessoas que se calhar passar 15 dias, como há pessoas que passam, e um mês de férias ou assim, se calhar não me dizia nada. Ou não me diz porque se calhar também não há vagar, não há possibilidades, não é?
Não há possibilidades nem de mar nem de outra coisa, não há possibilidade de férias. Não podemos simplesmente meter as ovelhas na loja e ficais aqui que nós vamos embora este fim de semana, isso não pode, não acontece. Nem sequer pode acontecer porque elas têm que sair todos os dias, têm que comer todos os dias.
Já tivemos tempos e alturas em que madrugávamos bastante mais. Agora já moramos aqui mas estivemos bastantes anos em que os animais estavam aqui e nós vivíamos dentro da povoação.
Era diferente, transportar o leite, uma coisa e outra, madrugávamos mais. Agora aqui mesmo de inverno já não há aquela preocupação de ter de me levantar às 6 da manhã.
Não, às vezes é como aquilo que eu digo, tanto me faz acabar os queijos às 10 como acabar às 10h30 e é mais meia horita que a gente está descansadinha. À noite também não somos, também quase antes dessas 11h30 meia noite nunca vamos para a cama. Agora por exemplo, ainda foi ontem a última vez, eram 11h30 da noite e nós estávamos a jantar. Não é?
De manhã se nos vamos levantar às seis, é muito cedo! Então já estamos mais um bocadinho de manhã, porque é aquilo que eu digo, tanto me faz acabar os queijos às dez como às dez e meia.
Acaba por ser a mesma coisa.
A gente sabe que tem esta vida para fazer, temos que a fazer, independentemente de…
|O micÉliO mÁgicO|
Em sentido contrário vêm as trutas, à procura das águas frias e límpidas onde nasceram, para desovar a geração seguinte.
Mas as águas, já nem são frias nem límpidas, porque já nem correm, escorrem, densas e verdes como a esperança.
Água das pedras fresca, só engarrafada em garrafa de plástico, aliás inventada pelos nossos amigos pastores neolíticos, a garrafa.
A plástica viria mais tarde: ainda teriam que ser abatidas muitas borregas e abatidos muitos borregos, e inventada a ordenha mecânica e o leite em pó, os matadouros e os talhantes e as rações canibais e os jardins zoológicos que de lógicos não têm nada.
Quem diria que a escatologia à beira rio nos conduziria tão longe?
Que de bucólica restaria apenas a cólica? Nem sempre mas por vezes também alcoólica, porque à cerveja seguiram-se os destilados.
Mas também os enlatados e os fumados, os perfumados e os processados, os empacotados e os desperdiçados, os liofilizados e os adulterados, os etiquetados e os discriminados, os criminalizados e os enjaulados, os encapuçados e os decapitados, os crucificados e os mumificados, os circuncidados e os esterilizados, os escravizados e os humilhados, os colonizados e os descolonizados, os entrincheirados e os institucionalizados, os roubados e os contrabandeados, os alfabetizados e os desempregados, os endinheirados e os gentrificados, os censurados e os aterrorizados - Os calados, os amuados, os enjoados, os amargurados e os anestesiados, enfim, talvez apenas cansados de tantos dados, abnegados, entregues à submissão.
Alguém poderia ter profetizado que os mares iriam escancarar-se para receber, sem qualquer tipo de pudor, o despejo da nossa criatividade.
Era o início da civilização, vislumbravam-se as futuras cidades cosmopolitas nas embrionárias megalópoles que ainda desconheciam as fraldas mas reconheciam, gratos, na generosidade dos rios, o fabuloso poder absorvente da latrina.
Era o presságio das grandes viagens que ainda viriam a acontecer quando transformassem árvores em remos, bosques em barcos e florestas em frotas, num ímpeto de coragem, bravura e ousadia, ao amarar rumo ao desconhecido.
E como se amarar não bastasse para tanto volume de criatividade, iniciaram o aterrar.
Longe da vista longe do coração, dizem um pouco por todo o lado.
E quem diria que um dia, depois de amarar e aterrar, iriam ainda alunar e amartar.
A criatividade não tem fim. Tal como o universo.
Há quem diga que um dia a curiosidade embriagou a criatividade e uns cogumelos colhidos em estrume fresco de mamute trouxeram, além da arte abstracta para o seio desta sociedade, a percepção da tridimensionalidade do céu e a incomensurável vontade de o explorar.
A mega fauna teria então originado, além de uma mega moca, a consciência da própria consciência, o que não se devia à flatulência do acaso.
Era uma vez o micélio mágico.
\Ana/
O silêncio permite-nos estar mais presentes, no dia a dia, mais ligados ao que estamos a fazer. Todos esses sons da natureza, o vento, a chuva, os animais também. Essa presença diferente, mais consciente também faz com que a gente tenha mais convívio com eles, tenha uma ligação mais presente com eles.
A comunicação com eles é muita porque eles não falam mas mesmo sem fazer som nenhum, só os gestos, os movimentos deles ou a expressão, à medida que vamos estando com eles, vamos-nos apercebendo o que é que eles estão a pensar, o que é que eles nos querem transmitir e nós estamos a falar como se fosse com um humano mas estamos a comunicar com eles na mesma, sim.
Eu venho de biologia, então a parte da botânica é das que eu gostava mais. Adoro ver as comunidades vegetais, a flora que aparece, que vai aparecendo e desaparecendo. Por exemplo, agora depois do fogo, mudou completamente. Apesar das pessoas verem o fogo como um elemento muito negativo, faz parte do que a gente tem e não traz só coisas más, realmente o mar de giestas que nós cá tínhamos já não era uma situação sustentável. Aqui a terra é muito fértil e nós tínhamos giestal tão denso que nem as árvores conseguiam, iriam ter que apodrecer, morrer. Pronto, sei lá, é para dizer, se não houvesse fogo a coisa ia na mesma mas havendo foi um reset que se deu no sistema e não é necessariamente uma coisa má. É claro que houve erosão de solo, o sistema de fogos recorrentes que nós temos hoje em dia é mau porque cria muita erosão e não deixa vir a vegetação arbórea tão rápido, sofre tudo com isso. Mas por exemplo, aqui já não ardia há, acho que ninguém se lembra de um fogo aqui, isto já estava abandonado, a maior parte aqui das terras estava abandonada há mais de 20 anos, as que não tinham agricultura agora e portanto era uma acumulação muito grande de matéria orgânica. Não foi necessariamente mau. Criou outras oportunidades, agora vejo muitas plantas que não se viam antes, que estão agora a vir, muitas árvores pequeninas que estavam lá encolhidas agora estão a vir até com mais força. Algumas já estão do tamanho que estavam antes. Outras não, morreram.
Tudo tem prós e contras, nem tudo é mau nem tudo é bom.
Mas voltando à questão das plantas, agora divaguei um bocadinho, gosto de ver, gosto de observar a forma como as comunidades vegetais evoluem, ver o que é que elas comunicam também acerca da terra. Nós vemos um pasto ou matos, o quer que seja, e conseguimos ver através do que lá está, das espécies que lá estão, se a terra ali é mais funda, se é mais superficial, se tem mais água, se tem menos água. Isso é tudo interessante. Ver a diversidade é bonito também, a diversidade de vida. Desde que cá estão as ovelhas que também… ah é só da parte do vegetal, eu divago um bocadinho desculpa, depois isto é tudo editado, ainda bem, porque eu começo a divagar.
Em relação às árvores, fazem cá falta, há muito pouquinhas mas vai havendo alguma regeneração natural, muita de azinheira, porque havia aqui um azinhal grande ao pé de nós e os pássaros assim iam trazendo as bolotas. Havia aqui muita, não era muita mas pronto, era o que tínhamos mais, de azinheira. Muita dela está a recuperar, outra não, mas pronto.
O que me dá mais gosto nisto tudo é andar a pôr as bolotas e ver o resultado, ver depois os carvalhos a nascer do chão, e imaginar como é que isto pode ser daqui a uns anos. É o que me dá mais gosto nisto tudo.
|A mAtErnidAdE|
Mas o que interessa é a lã dos mamutes e a qualidade de vida que trouxe às nossas pastoras.
A mamuta e a sua amiga sharmuta não tiveram a infelicidade de conhecer nem a ordenha mecânica, nem as mamites, nem os estros sincronizados, nem a inseminação artificial. Consequentemente o mamute teve a felicidade de não conhecer os electro-ejaculadores, aquelas sondas eléctricas bipolares de exploração rectal.
Naquela época, o amor era electrificante e não electrificado. O orgasmo animal era além de sensual, consensual.
Não eram apenas as sondas que eram bipolares e em algum momento de criatividade, observaram que a electrificação das têmporas despolarizava os pacientes mais impacientes, vulgos doentes ou dementes.
Se o mamute e a mamuta fossem confrontados com tal criatividade teriam com certeza emigrado para os pólos e seriam hoje possível e carinhosamente conhecidos por busca-pólos dentro da comunidade veterinária mais sarcástica.
As nossas pastoras respeitavam a fisiologia dos seus bichos, interessava-lhes transumar, não transumanar, e, realmente cuidar dos seus descendentes, por mais transcendente que possa parecer.
Mas não deixava de ser o princípio do fim da liberdade de todas as espécies contíguas à nossa.
Talvez seja daí que vem a expressão utilizada ao brindar “À nossa”, brindemos apenas e exclusivamente à nossa.
As restantes lá irão, porque também dizem por aí, quem fica cá fica, quem vai lá vai, bye bye.
Bai bai, lá dizem no Porto e bye bye lá dizem em Londres, sim, porque no entretanto, surgiram as línguas.
Todas dizem as mesmas coisas mas de maneira diferente, e por vezes, coisas diferentes mas da mesma maneira.
Por exemplo: quando os serranos quer da Estrela quer da Gardunha não estão interessados, mesmo, em algo, dizem que estão a defecar-se enquanto que os além mancha, numa situação de desinteresse idêntica, apesar de terem uma reação igualmente escatológica dizem que não dão uma defecação. Não faz sentido nenhum.
Enfim, os bichos das nossas pastoras falam a mesma língua em qualquer parte do planeta.
Talvez seja por isso que viajam pouco, por saberem o que vão encontrar para lá das fronteiras que não existem.
Ou será pelas cercas, não bastando o fel das sondas, algumas também electrificadas? Ou pelos cães de guarda?
Ou pelas visitas sem retorno àquelas casas em que entram em fila indiana?
Estratégia milenar de guerra, essa em que os guerreiros caminhavam enfileirados e os últimos apagavam as pegadas.
Mas os bichos das nossas pastoras não eram guerreiros nem estavam em guerra com ninguém.
Mas alguém estava em guerra com eles e não sendo poucos os que juntavam o inútil ao desagradável, A sua criatividade chegaria à geminação laboratorial.
Da ejaculação precoce electro-forçada germinaram a fecundação em vidro fumado para passar desapercebidos no trânsito vaginal.
\Maria da Conceição/
Elas nem consentem! Há de tudo, também os animais são como o ser humano, tal e qual! Os animais são tudo, há muitas que têm os filhos, poucas porque muitas não, há poucas que têm os filhos e abandonam-os e aí vão elas. Mas de cem, uma. Agora as outras são carinhosas como seja um ser humano. Mas um ser humano daqueles bons, não é um daqueles seres humanos daqueles maus. Ai isso é, os filhos, meu Deus.
Agora o ser humano, acho que sim, a maternidade é a coisa mais bonita que pode haver de cima da face da Terra.
Quando se tem um filho com muito amor é a coisa mais bonita que pode haver. E a coisa mais bonita que pode haver e havia de existir muito mais forte do que há, é o amor de pais e filhos. Fico muito triste quando, porque isto é assim, há um pai que podem ser maus pais, ou porque eles já não tiveram boas relações com eles e não tiveram aquele afecto que deviam ter…
O homem às vezes também é capaz de obrigar a mulher a certas coisas, antes tratá-la mal e depois obrigá-la. Não deve fazer isso, porque não há nenhum, isto ao ver como uma mulher, não há nenhum animal macho que trate mal a fêmea. Alto lá, pára o baile.
Oh pá, as fêmeas também são terríveis e de hoje em dia então, também vou ali já volto. E acho que às vezes, vá, sei lá, olhe o mundo está louco. Não sei, tinha palavras mas não vou dizer, tinha palavras para dizer mas não vou dizer porque acho que não se devem dizer mas o mundo está completamente destruído, a ele próprio.
E não senhora, as pessoas só olham para elas, porque estão bem vestidas, eu estou mais bem vestida do que aquela e a minha roupa é melhor que aquela e esquecem-se de outras coisas que têm mais valor que a roupa.
\Ana/
Tiraram a maternidade às mulheres. A mulher é só uma coisa que está ali, que tinha lá o bebé dentro e chega lá um doutor que vai lá e acha que ele é que faz o trabalho. A mulher não pode estar como quer, não pode andar, não pode estar de cócoras, não pode estar nas posições mais naturais para ela, para ajudar o trabalho de parto, porque não é conveniente para o senhor doutor ou para quem quer que esteja lá a assistir. Como uma vez vi uma que estava a dizer que não tinha que levar com os fluidos da grávida. A grávida tinha que estar deitadinha, mesmo que seja a posição mais desconfortável não interessa porque o médico é que tem que estar confortável e não a pessoa que está a parir. Revolta-me este tipo de visão e está muito embrenhado na nossa sociedade, este modo de desvalorizar o papel da mulher e da maternidade e da vida. É tudo tecnológico, tudo controlável, tem que estar tudo planeado. É um bocadinho abstracto isto mas não bom para ninguém, nem para os bebés que vêm, nem para as mães, nem mesmo para os homens, acaba por não ser, depois andamos aqui todos descompensados e cansados e irritados e não está equilibrado este sistema mas é uma coisa que vem de um fundo muito feio, de controlo e de maldade, que as pessoas nem se apercebem que isto está mesmo entranhado no sistema em que vivemos.
\Alcina/
É assim, no dia de hoje, os pais já fazem, tirando a amamentação, já fazem tudo como as mães, não é? O que é que acontece, o bicho, o carneiro não, depois que, acho que, os animais, tipo o carneiro, o macho das ovelhas, não tem qualquer afinidade com os filhos, é um animal qualquer.
Por exemplo, nós temos aqui as andorinhas, nós vemos que há casais que ficam, que trabalham os dois em conjunto para alimentar os filhos ao passo que o carneiro não tem essa preocupação, não tem nada a ver.
A função dele é fazer com que a ovelha pára mas a partir dali, não tem mais, não faz mais nada, é mais preguiçoso.
|AdÃo & EvA|
As nossas pastoras eram nascidas e paridas tal como o seu gado mas um dia deixariam de o ser, quando o sílex fosse trocado por lâminas em inox e o parto trocado por um sono sintetizado na alquimia dos tempos modernos,
Na era do descartável e da anestesia geral, dentro e fora das salas de cirurgia plástica correctiva de defeitos estéticos maléficos.
Na celebração da assepsia, provavelmente no limiar da doentia, garantida pela irresistibilidade das gomas antibióticas, tomadas sem parcimónia nem qualquer tipo de cerimónia.
A gratidão fora gratinada num qualquer incinerador e servida fria para melhorar a indigestão e promover a indisposição geral.
A dádiva da vida viria a ser dividida em parcelas de dívida
Parir de barriga aberta vale mais que um cabrito esfolado e afogado em vinha-d’alho
E não se sabe muito bem quando abandonaram o refogado de páreas e o guisado loquial para acompanhar e celebrar a parição bem sucedida.
As nossas pastoras eram nascidas e paridas tal como o seu gado mas um dia deixariam de o ser, quando o sílex fosse trocado por lâminas em inox e o parto trocado por um sono sintetizado na alquimia dos tempos modernos,
Na era do descartável e da anestesia geral, dentro e fora das salas de cirurgia plástica correctiva de defeitos estéticos maléficos.
Na celebração da assepsia, provavelmente no limiar da doentia, garantida pela irresistibilidade das gomas antibióticas, tomadas sem parcimónia nem qualquer tipo de cerimónia.
A gratidão fora gratinada num qualquer incinerador e servida fria para melhorar a indigestão e promover a indisposição geral.
A dádiva da vida viria a ser dividida em parcelas de dívida
Parir de barriga aberta vale mais que um cabrito esfolado e afogado em vinha-d’alho
E não se sabe muito bem quando abandonaram o refogado de páreas e o guisado loquial para acompanhar e celebrar a parição bem sucedida.
Abandonadas ficaram as doulas sem também nunca terem conseguido a sindicalização.
Trabalham agora no aterro sanitário que se avista daqui, a meio caminho da Estrela, não cadente, talvez decadente, mas carbonizada com certeza.
Acabaram de terminar um almoço regado a azeite a ferver para relembrar os tempos em que invadiam castelos e churrascavam cientistas incautas em fogueiras públicas mas pouco pudicas.
O ar da Gardunha cheira a granito mesmo para quem não tenha o olfacto apurado.
É um cheiro agradável para quem tem 300 milhões de anos. Calmo e tranquilo, transmite uma serenidade inefável no seu monólogo solitário.
Para o ouvir não se pode ser mouco mas sim um pouco louco.
E quantas histórias tem para contar! Ele assistiu ao aparecimento dos organismos complexos, ao brotar da reprodução sexuada até à reprodução sem sexo passando pelo sexo sem reprodução. Porque para se chegar à extinção, teve que se brincar à reprodução. Ele assistiu à reprodução e à extinção de uns quantos e de umas quantas que andaram por aqui e continuará a assistir, na sua calma inabalável. Também não tem sindicato mas é rico em silicatos e consequentemente em silício. Apesar da sua equanimidade magnânima, processa um monte de informação, 300 milhões de anos de informação. Tendo em conta a sua vertente glaciar não necessita de arrefecimento externo, é um autêntico processador de memória molecular na semântica digital, quântico ou não, não interessa, interessa é o saber que irradia dele, o conhecimento que emana da sua vibração atómica, inaparente tendo em conta a sua aparente frigidez. No seu âmago electrónico repousa a nossa biblioteca de Alexandria, com a vantagem que não arde, apesar das incontáveis e sucessivas tentativas que deixaram a Gardunha e a Estrela nuas, um prazer para os mais perversos na satisfação dos seus desvios. Continuem, estão no bom caminho dizem os átomos do granito, perito em episódios cataclísmicos de extinção em massa. E veremos de que vos serve a massa quando estiverem à beira da extinção, quando sentirem a massa cinzenta seca que nem baquelite, na derradeira encefalite, no último espasmo da vossa era dourada, no calafrio final, sombrio, terminal. Enfim, continuem como se não houvesse amanhã e um dia realmente, não haverá.
Eu cá ficarei, a caminho da Aurica, a quem prefiro chamar Americália em homenagem à vossa Amália.
E deixo-vos esta pergunta:
Sabem quantos átomos existem em 1 metro cúbico de granito?
6x10 elevado a 23.
600 milhões de milhões de milhões de átomos!
Se não fosse granito, gostaria de ser fotão para viajar daqui ao sol em 8 minutos, viver para sempre e imprimir as retinas de cores vibrantes, excitantes e luxuriantes.
\Maria da Conceição/
A humanidade quer ser dono de uma coisa e quando lhe dá para ser, para querer ser o dono, inventa. Inventa um é de Jesus Cristo, outro é o Reino de Deus, outro é isto, outro é aquilo, outro é cristão,
outro não é cristão, outro é jeová, outro é… As religiões bate tudo ao mesmo, só que cada um vivesse um para um lado, outro para outro, outro para outro. Para mim, eu não sou ninguém, até gostava de aprender com pessoas que… Mas volto a dizer e digo-lhe já, francamente, se acreditam e apregam, quando se puserem à frente das pessoas que cumpram. Eu vou-lhe dizer uma coisa, eu já não sou capaz de ir ouvir ninguém, já não acredito em ninguém. Estar ali bababababa e depois sai dali é uma selvajaria.
Ai isso não.
\Ana/
Para mim essa interpretação da Bíblia, isso poderia ser, não sei, não sou estudiosa dessas coisas, mas o que me parece é que poderia ser talvez, o jardim do Éden poderia ser a nossa vida em tribo, em comunidade, em que não tínhamos agricultura, era a abundância do que a floresta e a natureza davam. Na verdade, se formos ver as tribos que ainda existem, eles não têm carências nutricionais, vivem bem, a menos que sejam mortos por um leopardo ou por um bicho desses. À parte dessas coisas estão bem e viviam bem e com saúde. Não tinham que trabalhar assim tanto, não tinham tantas guerras e tudo isso. Talvez isso fosse o que a Bíblia fala do jardim do Éden. É essa fase em que nós aqui queremos um pouco de agricultura, mas o objectivo é essa relação com o ecossistema pré-humanização. Por exemplo, quando tivermos muita floresta autóctone, podemos viver mais do que a floresta dá do que da agricultura. Por exemplo, da bolota, a comida dos nossos antepassados, agora historicamente não sei dizer mas acho que ainda até há bem pouco tempo no Alentejo comia-se bastante bolota. A minha mãe ainda diz que o pai dela comprava bolotas de azinheira para comerem em casa e que ela gostava. Havia toda essa relação com o que a natureza dava só por si que foi desaparecendo depois com a agricultura. Nós aqui gostávamos de voltar a esse jardim do Éden, por assim dizer, em que podemos chegar à floresta e viver do que ela dá - diversas bagas, bolota, castanha, um pouquinho de caça até se houver muita abundância de animais. Sempre é melhor os animais, na minha perspectiva se houvesse abundância, porque nós agora somos muitos e se toda a gente fosse fazer isso dávamos cabo da pouca vida que há selvagem. Mas eticamente para mim seria melhor o animal estar mesmo à vontade dele do que sermos nós a decidir tudo sobre a vida dele. Vamos voltar ao que tínhamos já falado, não é não ético mas do ponto de vista do animal talvez fosse melhor, não sei, é diferente.
\Maria da Conceição/
Perante as minhas sabedorias, por acaso já li a Bíblia toda, não tenho sabedoria capaz de explicar essas coisas, como vieram, como somos. Mas que eu acredito em algo sobrenatural acredito. E acredito que nós às vezes não mandamos nada. As coisas acontecem porque têm que suceder. Não sei, não tenho sabedoria para isso. Agora também volto a dizer, acredito nos cientistas, agora eles como é que vão a buscar de um osso que apanham aí que tem bilhões e bilhões de anos? Não sei! Não tenho capacidade, não critico ninguém, temos esta doutrina e ensinaram-nos que há um deus, esse deus não é deus nenhum. É o quê? Para mim é um título que lhe dão, a um ser que ninguém o viu. A existência de Jesus Cristo ninguém a pode negar.
\Ana/
Nós aqui queremos voltar ao jardim do Éden, dentro do possível.
Sim, essa relação com a natureza que haveria nessa fase pré-civilização.
\Maria da Conceição/
Cada coisa, o macaco é o macaco, o cão é o cão, o gato é o gato, a galinha é a galinha, isto ou aquilo.
Como é que nós aparecemos?
Ninguém…
As pessoas e os cientistas que se calem porque eles não sabem. Ninguém sabe.
\Alcina/
Aquela com que sempre me embelaram foi o que o catecismo me ensinou. Deus criou o céu e a terra. Grandes estudos eu também não tenho, não posso manifestar daquilo que não sei. Agora claro que há as duas versões sim. Qual será a mais… não sei.
Que acredito que estejamos a caminhar a passos largos para um fim, se calhar acredito. Agora a razão do princípio, sei lá, embelo-me porque foi aquela que me embelaram no berço, Deus criou o céu e a terra, não é?
|O fUtUrO|
Estaremos todos profundamente alienados da insurreição que está a caminho?
Como dizem por aí, nada se perde, tudo se transforma, talvez venhamos a ser o combustível fóssil do povo dócil que ainda há de aparecer.
Ser-lhe-á difícil entender o quão físsil é um bioma e quão fácil é destruí-lo?
O que cabe num cubo de 792m de lado? Cabem 8 bilhões de Humus Sapiens, Humus Sapiens, no seu processo lento de fossilização e transformação em combustível.
Não é assim tanto quanto isso tendo em conta que desde 1850 consumimos um cubo com 2779m de lado, um cubo 3,5 vezes maior que o cubo humano.
Esperemos, para o seu bem, que o povo dócil que ainda há de aparecer seja menos numeroso ou que queime outra coisa para se aquecer e se arrefecer e se entreter e se mover.
E se não o for, boa sorte na sua jornada.
Depois de nós seguir-se-á um coma planetário mas não derradeiro, apenas passageiro, tal como todos nós fomos:
Passageiros da nave mãe até ao último suspiro, individual e colectivo.
A nave continuará a sua viagem tranquila pelo universo digerindo com as enzimas do tempo o lixo da nossa insustentabilidade e os restos da nossa criatividade industrial porque tem todo o tempo do mundo.
Nos seus registos ficará gravado o momento em que uns cogumelos apanhados no estrume fresco de um mamute mudaram o curso da história de uma espécie e de todas as que com ela coabitavam durante a sua viagem pelo espaço sideral.
\Alcina/
Eu acredito que queijo nunca vai deixar de haver mas feito da maneira assim tradicional, vai-se perder, acredito.
\Ana/
Agora é melhor não falar até isto passar ou dá na mesma?
Trabalhos no governo, a burocracia também, estaria limitada à burocracia, não poderia fazer nada em concreto. Comecei a ver que a única saída era trabalhar numa associação privada, já com mais liberdade, e mesmo assim sempre muito condicionada porque as associações também têm que, tudo têm que obedecer às regras do Estado. Por um lado pode ser bom, para proteger certas coisas do património natural mas também pode limitar demasiado e não deixar a pessoa fazer nada. Temos nos deparado muito com isso. Uma pessoa estando individual tem outra liberdade de encontrar caminhos e assim. Comecei a aperceber-me destas coisas todas ao longo do percurso e comecei a ver que era por aqui que eu ia estar mais realizada. E é isso que me dá ânimo no dia a dia, estar aqui e ver o nosso trabalho, ver as árvores a crescer, ver as ovelhas, o trabalho que elas fazem na terra, ver a cultura que está a desaparecer, por exemplo, no fazer do queijo, na agricultura tradicional, coisas que estão a desaparecer que também acho que são importantes para o futuro - preservar esses saberes, também estamos a trabalhar para fazer esse tipo de coisas e isso também dá ânimo.
Para mim não haveria outra saída do que esta para eu estar bem!
Saídas há mas não ia estar bem.
\Alcina/
Nós aprendemos fácil aquilo que se torna fácil para nós. Não é?
O que é que se torna fácil para nós?
Andarmos de carro, andarmos de isto e andarmos de aquilo. Isso aprendemos fácil.
Agora sair do fácil para o difícil, isso já é mais difícil.
Eu acredito muito que seja muito difícil voltar ao mesmo porque a sociedade não está preparada para fazer sacrifícios seja por aquilo que for. A minha filha zanga-se por tudo e por nada, zanga-se em casa quando por vezes faço mal a separação do lixo, que às vezes estou com pressa e nem sempre faço. Ela dá-me cada raspanete e às vezes até lhe digo “Ó Simone, pára, então vê lá, foi só uma garrafa”, “Pois é, se toda a gente pensar como tu, não sei quê…”, dá-me logo ali um raspanete grande. E às vezes digo assim “os verdadeiros culpados ninguém lhe diz nada”, mas prontos.
\Maria da Conceição/
Cada um acaba a vida, acaba a vida. Pronto, nós temos um ciclo para viver e é muito triste, mas a morte é muito triste.
A morte para mim, volto a dizer, é muito triste. Quando a gente perde, perde tudo, é muito triste.
\Alcina/
Eu o que às vezes eu penso é que quando falamos ou ouvimos falar, por exemplo falamos agora no caso concreto da guerra da Rússia, é que às vezes os homens têm tanto poder, que utilizando mal esse poder podem destruir tudo à sua volta e irmos todos de arrasto. Pode acontecer, sei lá. Agora falo numa questão disto da guerra, é que acredito que se eles estão a fazer como falam, e eu sou, quem sou eu para falar de certas coisas, nestas bombas atómicas, destas coisas, se começa a haver um conflito e começam a usar essas coisas, eu acho que isso pode dar um começo para o fim de tudo. Se calhar é a minha mais opinião para este dito fim, ainda pode ser a razão destes poderosos quererem tudo e acabarem com tudo por causa da ganância que eles têm do poder.
Ainda será a minha parte mais convicta assim de falar, é estas pessoas que… lá está, o querer tudo vai-se perder tudo para eles e para nós, e perdermo-nos nós no meio destes conflitos todos.
|A EssÊnciA|
Do austral pitoresco ao sabedor passando pelo erecto
Do paleolítico ao neolítico passando pelo raquítico
Do sílex ao silício passando pelo granito,
Só faltou inventar a água em pó e o deserto nunca seria uma ameaça.
Mas os ripícolas ignorantes gostavam mesmo era de esgotar os seus rios, de recursos e de esgotos, como é evidente dada a redundância, e, da militância humana pela água enquanto vector da sua inerente falta de higiene moral e social, perito e erudito em mau ambiente até que a morte os separe.
No entretanto podemos plantar uma árvore, fazer um filho e escrever um livro, porque não, Tsunami meu amor, uma história de amor, claro, e incesto, de uma espécie singular pela sua pluralidade e promiscuidade, uma história de assédio assíduo, de amantes entediados, diamantes ensanguentados, a história de um planeta que parece vingativo mas é apenas reivindicativo.
Tsunami meu amor acabaria com o uivo de uma loba que acabara de se deliciar na jugular quente de uma cabra agora fria.
Enquanto a loba se besunta de vermelho a cabra defunta-se de azul.
Porque azul é frio e vermelho é quente.
Talvez seja por isso que o capuchinho da outra é vermelho, para atrair o lobo mau.
Cuidado, ele poderá vir acompanhado da sua alcateia, é um bicho muito social o lobo mau.
É um bicho muito mau o lobo mau mas que sabe que à falta de sangue segue-se a falta de vida.
E que os rebanhos não abundam por aí.
A abundância não é a ausência de escassez é a consciência da escassez, a percepção da finitude, amiúde, ignorada levianamente.
Leviana a mente de quem ignora a finidade da vida alheia na sua afinidade sem fim por si mesmo.
\Alcina/
Olhe, eu já fui, falando por mim própria, eu já fui muito feliz.
E às vezes, digamos assim, eu fui muito feliz e não sabia. Mas isso só quando perdemos as coisas é que vemos.
Antes, quando a minha filhota, a mais velha, tinha quatro anos, ela fez a primeira actuação no rancho folclórico de Videmonte tinha quatro anos, pequenita, ela e um mocito da idade dela também. Ela arrastou-nos a todos um bocadinho para lá. A primeira foi ela, depois foi, ela tinha de diferença da irmã cinco anos, depois atrás dela fomos todos. Ainda andamos todos os quatro no rancho folclórico de Videmonte. Ainda lá andamos todos os quatro.
E éramos felizes assim. Posso-lhe dizer que éramos felizes. Muitas vezes, quando era à noite, imagine o que era quando tínhamos ensaio do rancho a um sábado à noite, ou a uma sexta feira à noite. Eu tinha que meter as ovelhas uma hora mais cedo, tinha que fazer tudo uma hora mais cedo para poder estar. Fazíamos tudo a correr, fazia-se tudo a correr mas fazíamos por uma questão de gosto e de prazer que nos dava, no fundo de sairmos, conhecermos pessoas novas, estarmos um bocadinho com as pessoas. Foi bom, prontos, foi muito bom essa parte.
Infelizmente eu perdi a filha e juntamente com a minha filha o rancho folclórico morreu também.
Nunca mais houve uma actuação, nunca mais houve um ensaio, parou-se tudo no tempo.
Que tenha forças para voltar, não sei se tenho, o tempo o dirá.
Se calhar há pessoas que estão à espera que eu diga o sim, que o meu marido diga o sim, para se voltar a levantar. Mas é difícil. É muito difícil, perdeu-se… ir para aquilo que nos puxou. A minha filha dava a vida pelo rancho.
Eu lembro-me que a seguir ao funeral dela, tive amiguitos, amigos e colegas da universidade que vieram cá um mês mais tarde. O acidente foi em Novembro, vieram cá no mês de Dezembro. E lá entraram em contacto com a minha filha e lá combinaram, depois fomos falar com o padre, disse uma missa, e as pessoas e os amigos vieram, depois foram todos ao cemitério, do cemitério vieram porque fiz o almoço, vieram lá de baixo do Alentejo. A minha filha estudou em Idanha, tinha muitos amigos daquela zona lá de baixo. E uma pergunta que uma moça me fez, nunca me esqueceu, que me perguntou, estávamos no quarto dela, depois levamo-los lá e disse-lhes se queriam levar alguma recordação dela que escolhessem o que quisessem, e dela me dizer, “tenho uma pergunta para lhe fazer”, “então se souber responder”, “A Raquel quando partiu levava a roupa do rancho?”. E eu disse “Não”, “Sabe porque o último jantar que tivemos, ela não foi porque tinha uma actuação com o rancho, ela dava a vida pelo rancho, ela brilhava com os olhos cada vez que se lhe falava do rancho”. E aquilo marcou-me de tal maneira, ainda às vezes olho para o lenço dela e para as coisas dela e digo assim “epá pois, realmente”, mas a gente na hora não pensa, não tens cabeça para pensar. E depois daí vou tirando as minhas conclusões, fui muito feliz e não sabia.
Quando me falava na relação com o silêncio, eu gosto muito de andar no campo. A mim faz-me falta o guardar as ovelhas, eu se tiver um dia, uma semana que eu não guarde as ovelhas, eu própria já não ando bem, porque me faz falta. Faz-me falta a minha relação com o campo.
E eu aprendi após o acidente e após tudo aquilo que eu passei, eu ver que as ovelhas me entendiam. Eu vi, porque eu via que elas, se eu estivesse mal, havia dias que me fartava de chorar, elas iam ao pé de mim e com o focinhito delas quase a lamber-me a cara, a focinharem-me toda e eu disse “ epá como é possível?”.
É preciso passar por uma coisa tão forte para perceber o quanto estes animais, nós dizemos que não têm sentimentos, que não têm nada, para perceber que realmente, as pessoas têm, os animais têm quase sentimentos como nós. Porque se nós dermos uma pancada a um cão ou qualquer coisa que ele se porte mal, ele fica, não é? Eles têm sentimentos. Os meus cães quando me viam mal, este Teodoro, nós chamamos-lhe, tem o nome de Teodoro, eu tinha que me especar ou sentar-me porque ele deitava-me ao chão para me lavar a cara. Era impressionante como ele sentia a dor que nós estávamos a sentir.
Custou, custou muito e as partes boas da vida é tirarmos a amizade das pessoas, porque se todos déssemos um bocadinho de nós. Nós tínhamos que aprender, eu digo uma coisa, eu digo isto muitas vezes à minha filha e eu acho que ela já diz isto assim como uma coisa “nós temos que aprender a dar”, se aprendermos a dar, acho que Deus nos dá em dobro. E quando falamos em qualquer coisa e ela agora já diz “Olha Deus que nos dê de dar e não de pedir”. Volta e meia já ouço a minha filha a dizer isso “Deus que nos dê de dar e não de pedir” e é verdade, se nós, todos temos que dar, nem que seja um abraço.
Quantas vezes estou mal e que chego ao pé de uma amiga e que me dizem epá se calhar o simples abraço, não precisamos de palavras se calhar, só um simples abraço sem interesse, já é muito.
Não é uma questão, porque o valor não está na quantidade de dinheiro que conseguimos transportar no bolso ou na carteira.
Porque isso chegamos a dizer que por muito dinheiro que nós tenhamos, ajuda, sim, ajuda, e ajuda muito mas dá-nos alguma felicidade?
Acho que não.
Eu consigo entrar e sempre fomos, sempre fomos eu e o meu marido umas pessoas muito bem dadas, todos, por exemplo a minha filha quando partiu, a minha filha, ela… Eu tive o apoio da aldeia que é inexplicável, não se explica. Eu às vezes não tenho palavras para explicar. Nós ainda temos o ritual de passar todos os dias no cemitério. O meu ritual e do marido é assim, ordenhamos, fazemos esta parte aqui, tomamos o pequeno almoço, vamos ao café, tomamos um cafezinho no café e vamos ao cemitério. Temos que ir! Às vezes há pessoas que já me têm dito, “o que vais lá fazer?” Mas tenho que ir, Prontos. Parece que chego lá, estou lá um bocadinho e depois venho, parece que trago um ar novo. Não sei explicar.
E o meu deixar, que foi a seguir ao acidente que deixei de ir ao café, deixei de sair, deixei, eu não ia às missas a não ser às missas da minha filha, eu não ia a missas nenhumas. Uma coisa, eu sou devota, prontos cada um tem a sua mania e eu também tenho esta minha. Eu deixei de ir por completo, questionava-me muita vez e eu dizer assim “eu tenho tanta fé em Nossa Senhora de Fátima, então e de que me valeu a minha fé?”.
Eu questionava-me assim.
E um dia estava-me assim a questionar e parece que me bate uma coisa no peito e que me diz assim “Então calma, Nossa Senhora também passou pela morte do filho, assistiu a tudo”. Não é? Às vezes digo assim, posso criticar alguém? Às vezes a minha dor é muito forte mas eu não sei a sua. Não é? Porque é que hei de estar sempre a lamentar a minha a minha a minha? Eu não sei o que está por trás da sua camisa. Não é?
Não sei o que está por trás da camisa do outro. Temos que dizer assim, se nós deixássemos de ser orgulhosos e aprendêssemos a dar, eu acho que o mundo seria muito melhor. É só aquilo que eu digo.
O termos que dar,não temos que dar uma nota. Não temos que dar, acho que o termos que dar um sorriso, um aperto de mão, um abraço na hora certa, eu acho que isso vale mais que qualquer coisa.
Pelo menos é essa a.. Foi isso que a vida me ensinou e dizer assim, o dinheiro dá jeito dá, dá muito jeito, a gente farta-se de trabalhar para conseguir.
Se me disser assim, tenho muita coisa tenho, Tens muito dinheiro, Não, não tenho.
Mas tens muitos amigos? Digo “tenho”. Tenho uns bons amigos.
No geral é aquilo que posso dizer.
Tenho aquilo que preciso.
Deus tirou-me uma filha, sim, foi um momento que não se explica. Receber uma chamada de um telefone e dizer assim “a tua filha está morta num acidente” é uma coisa de… não se explica, prontos.
Eu nem sequer sei o que passei. A partir dali, eu acho que não sei se nós temos cá alguma injecção interior que nos anestesia o corpo todo, porque há ali uns momentos que eu tenho aquela coisa de pegar no telefone e de me dizer que fulano estava, porque a Raquel teve um acidente e não sei quê não sei quê, e de eu ligar e dizerem “Alcina, a tua filha está morta”.
A partir dali parece que temos uma mó cá dentro que nos dá logo ali uma injeção que nos… não tem explicação. Às vezes gostava de saber explicar e não sei.
E depois dali vamos tirando as nossas conclusões.
A minha filha era uma pessoa super simples. Eu as zangas que eu tive com a minha filha era a simplicidade dela.
No dia de hoje eu aprendi, eu já disse isto e até já disse isto à televisão uma vez. Eu aprendi a conhecer a minha filha depois que a perdi. Porque eu zangava-me tantas vezes, ela era super simples mesmo. Ela tirou solicitadoria, já estava a trabalhar no escritório dela e as coisas estavam a funcionar bem porque eu não lhe dava dinheiro para nada e não me deixou dívidas, não é?
Então eu zangava-me com ela “Raquel vai arranjar as unhas”, “Euhh”.
“Raquel essa roupa não te fica muito bem”, “Euhh”.
“Não está lavada Mãe?”
Às vezes dizia-lhe assim “Essa camisa já está velha”, ela usava muito camisas, blusas ou assim, “Ó Raquel essa..”, “Ó Mãe, não está lavada e passada?”
E a partir daí, eu aprendi a ver o… e acredite se falo se me chamarem maluca de eu dizer que eu falo com ela, falo.
Eu aprendi a conhecer que a simplicidade dela mostrou-se depois que eu a perdi. No dia de hoje, eu aprendi que a Raquel, como me diziam as velhotas, as pessoas mais idosas já, com os seus sessenta, setenta, não digo sessentas, digo setentas e oitentas anos, que me dizem assim “A Raquel não era só tua, A Raquel era nossa. A Raquel faz falta na igreja. A Raquel faz falta aqui. A Raquel era a alma do rancho.
A Raquel era a alma do grupo coral porque depois que a Raquel partiu o grupo coral nunca mais cantou, esvaneceu-se. A Raquel era a alma do rancho porque depois que a Raquel partiu nunca mais houve rancho.” Sei lá, e aquela simplicidade daquela menina, que era simples mesmo, ela vinha para aqui, temos aqui atrás da queijaria um moinho onde partimos o centeio e o milho para darmos às ovelhas. Ela vinha para ali e andava-me toda enfarinhada, cheia, toda branca
Eu dizia-lhe “Ó Raquel olha como andas!”, “Olha, quero lá saber Mãe”.
Quantas vezes, as zangas que eu tinha com a minha filha era a falta de cuidado que ela tinha com ela própria, mas depois vi o cuidado que ela tinha com os outros.
E isso foi o que fez dela uma grande pessoa.
Porque às vezes dizem, ainda este ano fui a Fátima a pé e houve um padrinho dela de afinicão que me disse assim “A Raquel com 28 anos deixou um propósito de vida na aldeia de Videmonte que nós não vamos deixar se morrermos com 80, com 90 ou 100.
E por isso vemos, a minha filha era de dar, eu dizia-lhe assim, eu zangava-me muitas vezes com ela “Raquel tu ficas sem as coisas”, “Mãe não importa”.
E lá está, se todos formos de dar, porque o dar não conta só a nota, conta dar um abraço, um apoio, um afecto, uma visita, não é?
E acho que era isso, bastava isso para mudarmos um bocadinho o nosso bolo da sociedade em si.
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